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O mundo mudou. “Quem casa, quer casa”. Ainda vale, mas não tardará muito para que este ditado passe a ser apenas um apontamento histórico. Hoje, com a volatilidade e globalização do mercado de trabalho, com a tendência para as formações e pós-formações a serem, pelo menos parcialmente, realizadas no estrangeiro, ser proprietário de uma casa já foi um dado mais adquirido do que atualmente. Mesmo, ao contrário do que poderíamos pensar, na camada populacional dos 55+. E as razões parecem ser várias.
Até aos 50 anos é fácil entender as razões pela qual não queremos comprar uma casa. Formações e a possibilidade de progredir na carreira “saltando” para o mercado internacional fazem hoje parte do dia a dia de milhares de trabalhadores que começam a olhar para a solução do arrendamento de uma forma mais “séria”, nomeadamente no denominado arrendamento de longa duração.
A IAD Portugal, uma rede de mediadores independentes, por exemplo, admite que em 2019 este tipo de arrendamento de longa duração conquiste algum interesse, graças aos incentivos dados a este mercado, o que irá contribuir para o dinamismo de mercados periféricos das grandes cidades e às cidades de média dimensão, onde a procura de arrendamento é mais importante, nomeadamente em cidade como Braga, Coimbra, Aveiro ou Évora.
Aliás, esta tendência para o aluguer tem vindo a ter fortes repercussões no mercado imobiliário, que já tem dificuldade em a dar resposta habitacional que era necessária, como de resto tem vindo a alertar a APEMIP – Associação dos Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária de Portugal.
As novas soluções de habitação
A partir dos 60 anos, a “cantiga” começa a mudar de tom. “É uma daquelas alturas da vida em que fazemos um balanço e projetamos o futuro. Muitas pessoas – cada vez mais – ainda trabalham aos 60 anos, mas já começam a planear a sua reforma. E, hoje, as reformas já não são o que eram antes. Não há cá o ‘sentar e esperar’ que o tempo passe. Os reformados são pessoas ativas, com projetos, com ideias a concretizar”, explicou-nos o psicólogo Daniel Marinho. Daí que as novas soluções de habitação comecem a ganhar relevo. Entre elas estão conceitos como o co-living ou a hipoteca inversa.
Um desafio para as cidades
O co-living é uma das principais tendências do mercado e, mais do que tudo, um desafio assumido para o futuro. Terá surgido no prolongamento das residências estudantis, mas com “mais qualidade”, explicou-nos Miguel Queirós Aguiar, CEO da consultora KW. Ou seja, neste conceito – transversal a todas as faixas etárias – o espaço íntimo, composto habitualmente pelo quarto, quarto de banho e muitas vezes um pequeno espaço de sala/escritório, é individual, sendo depois as restantes áreas de serviços, como cozinha, lavandaria e sala comum aos ocupantes do espaço. “Acabam por ser uma solução curiosa porque quem opta por esta solução tem a garantia da sua privacidade, ao mesmo tempo que consegue partilhar a experiência de habitação com terceiros”. E se enquanto jovens os ocupantes da casa podem ser perfeitos desconhecidos, Miguel Queirós Aguiar admite que, pela sua experiência, acima dos 60 anos quem opta por esta solução já conhece as pessoas com quem vai partilhar a habitação.
Daniel Marinho corrobora a experiência de Miguel Queirós Aguiar. “É mais do que normal a partir de certa idade já não estarmos dispostos a partilhar uma casa a tempo inteiro. Queremos o nosso espaço”. No entanto, também admite – e porque Daniel Marinho tem experiência clínica em Londres – que lá fora essa atitude é mais comum. “Reforço que hoje os reformados são jovens de espírito. A solução de co-living é cada vez mais utilizada lá fora como uma solução confortável e prática de manter a privacidade sem nos sentirmos isolados. Os filhos trabalham cada vez mais longe e esta é uma excelente solução”.
Gostar de envelhecer
“Em 2050, cerca de 70% da população vai viver em cidades, significa que temos de encontrar casa para três biliões de pessoas e a inovação no setor da habitação vai ser absolutamente necessária. O co-living é parte da solução”, disse Williams Johnson, embaixador da Co-Liv em Portugal numa conferência que houve recentemente em Lisboa.
Matthias Hollwich, arquiteto da Hollwich Kushner, acredita que o conceito de co-living faz tanto sentido para jovens como para os mais velhos, e “pode fazer uma grande diferença nos boomers”. Isto porque podem evitar a “segregação” dos atuais lares ou casas de saúde, e contribuir para que “se goste de envelhecer”. “As pessoas têm de ser bem apoiadas nos seus anos finais, e é a comunidade que deve fazer isso. Toda a gente tem de ser integrada, e é importante que tenham sempre atividades e convivência”.
Um co-living sénior pode ter os seus serviços específicos, locais para fazer exercício, áreas comuns, de saúde, cozinhas ou zonas de refeição. “É tudo o que já conhecemos do co-living para millennials”. E esta pode ser uma solução para alguém que tem uma casa que já é demasiado grande para as suas necessidades.
Hipoteca inversa
A hipoteca inversa é outra das ferramentas disponíveis e que pode ser hipótese. É, basicamente, um empréstimo bancário hipotecário em que, ao invés do habitual, é o banco que tem a obrigação de disponibilizar mensalmente o montante acordado ao mutuário, sem que este tenha o dever de o amortizar. O montante das prestações devidas pelo banco depende, essencialmente, do valor do imóvel a hipotecar e do prazo do crédito ou da idade do mutuário, no caso de operações vitalícias.
O problema é que o crédito inverso é um produto financeiro ainda pouco conhecido em Portugal e não parece querer ser muito comunicado. O crédito inverso é a versão portuguesa de produtos de grande expressão nos Estados Unidos (Reverse Mortgage) e de alguns países da Europa, como a Espanha, países escandinavos e o Reino Unido (Equity Release).
Em suma, a forma como habitamos mudou. Trabalhamos cada vez até mais tarde – em horas e idade! – somos tendencialmente mais nómadas e menos dados a possuir coisas, a sermos proprietários. Os modelos “como um serviço” ganham adeptos em todos quadrantes da sociedade e o que queremos são experiências também na forma de comprar, alugar ou partilhar casa.