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“Cada cuidador deve sentir que tem nas instituições um suporte permanente”

18/09/2019 | Entrevista ao Provedor da SCML Edmundo Martinho

Edmundo Martinho provedor da SCML Edmundo Martinho provedor da SCML

A Santa Casca da Misericórdia de Lisboa (SCML) é uma instituição com 521 anos, mas que consegue manter o espírito jovem e de cuidador. O provedor da instituição, Eduardo Martinho, explica isso pela capacidade de adaptação à mudança dos tempos e das condições. “É esta a nossa história e tem que ser este o nosso futuro”, explica, em entrevista ao Impulso+.

Sobre o Estatuto do Cuidador Informal, Edmundo Martinho defende que representa “um avanço no reconhecimento” de quem se dedica a cuidar de outras pessoas, mas salienta ser importante assegurar condições para que esse apoio possa ser prestado em boas condições e que são necessárias qualificações e aptidões. O provedor da SCML aponta, além disso, que “cada cuidador deve sentir que tem nas instituições um suporte permanente”.

 

A Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) é uma instituição com 521 anos. Contudo, consegue manter o espírito jovem e de cuidador. Como vê a instituição a preparar os próximos séculos da sua história?

A SCML tem consolidado, ao longo da sua existência, a capacidade de adaptar-se à mudança dos tempos e das condições. Paralelamente, tem também contribuído para marcar os momentos e contextos, sendo pioneira em muitas dimensões da vida coletiva. Tudo isto explica a perenidade da sua intervenção, bem como o reconhecimento profundo que foi construindo na sociedade portuguesa.

Em relação aos próximos séculos, deverão continuar esta via, acrescentando respostas, quer em quantidade quer em qualidade, aprofundando de forma sustentável o papel ímpar que a SCML desempenha, desbravando caminhos e testando novas abordagens e metodologias. É esta a nossa história e tem que ser este o nosso futuro.

O programa “Lisboa, Cidade de Todas as Idades”, que a SCML tem em conjunto com a Câmara Municipal de Lisboa, reflete um empenho bastante grande em desenvolver os conceitos de envelhecimento ativo, positivo e autónomo. Que balanço faz da iniciativa?

O programa representa todo um modelo de intervenção novo e renovador, desde logo pela metodologia fortemente participativa em que assenta, e que mobiliza todos os parceiros da cidade, mas também pela ambição que assume no que se refere às metas, aos recursos que disponibiliza e, sobretudo, às mudança que pretende fazer nas representações e práticas sociais associadas à longevidade. Este desdobra-se em três eixos centrais – vida ativa, vida autónoma e vida apoiada – e é em volta destas dimensões que todas as respostas se estruturam, na busca de uma cidade que promova a participação plena, a autonomia e o apoio, quando tal se revele necessário.

O balanço que fazemos até este momento é fortemente positivo. Embora ainda esteja na sua fase de construção, os sinais e os resultados já obtidos permitem antecipar o sucesso deste programa.

Que tipo de respostas é que o programa “Lisboa, Cidade de Todas as Idades” oferece e que permitem a quebra do isolamento e a melhoria da qualidade de vida das pessoas com mais idade?

As respostas previstas, na linha do que foi referido sobre os eixos de intervenção, são de múltipla natureza e visam distintas realidades. Primeiro, pretendem assegurar que o modo como a cidade se organiza acautela o objetivo de promover uma vida ativa, assim como a possibilidade de usufruir e participar do espaço coletivo. Acessibilidades públicas, atividades de desenvolvimento físico e intelectual, espaços e momentos de total imersão na vida da cidade, são apenas alguns exemplos do que pretendemos fazer, num trabalho conjunto e conjugado entre todos os atores institucionais. Dando um exemplo prático, refira-se o projeto RADAR, que é parte integrante deste programa e que pretende ser um instrumento que permite conhecer melhor a realidade das pessoas mais velhas, em particular das que vivem sós, na expectativa e com a perspetiva de intervir, melhorando todos os aspetos em que as fragilidades detetadas sejam um obstáculo à participação e capacidade de desfrutar da cidade.

Em segundo lugar, as respostas previstas também pretendem construir soluções que potenciem a autonomia de vida, tanto tempo quanto possível. Casas adaptadas, serviços de proximidade, apoio domiciliário muito qualificado e teleassistência moderna e multifacetada, são algumas ilustrações do que se pretende. Preservar os espaços de vida em autonomia, sempre na direção de uma cidadania participativa plena, sem limites de idade, tem que ser um objetivo central das instituições e das organizações.

A SCML é, sem dúvida, uma instituição cuidadora. Quantas pessoas já foram abrangidas pelo programa e quais os seus objetivos?

Até ao momento, o projeto RADAR, iniciativa desencadeadora de todo o programa, já contactou e caracterizou cerca de 12 500 pessoas, em 13 freguesias da cidade, num trabalho que se prevê que abranja todas as freguesias da cidade até final do mês de novembro e cujos resultados serão apresentados em dezembro, no simpósio “Interações”.

É um projeto a manter no futuro?

Não só é um projeto a manter no futuro, como é ele próprio semente de novas práticas e metodologias que, inevitavelmente, se traduzirão numa ambição acrescida e exigência redobrada.

O ideal é adiar e, até, evitar a institucionalização. Caso seja inevitável, como podemos cuidar de uma forma mais humanizada?

Essa é, precisamente, a terceira dimensão do programa: vida apoiada. Sabemos que em determinados momentos da vida o apoio de terceiros se torna indispensável, quer no nosso próprio ambiente de vida, quer em ambiente institucional. Nesse sentido, queremos aumentar substancialmente a capacidade de resposta de soluções residenciais, mas também fazer com que essas respostas assumam um caráter de reabilitação e de promoção da autonomia tanto quanto possível. O cuidado não se pode limitar à dimensão do bem-estar. Tem de ser capaz de ir mais além, potenciando, estimulando e respeitando a individualidade e a personalidade de cada pessoa. Só assim cumpriremos de forma plena o grande objetivo de fazer da cidade um espaço de todas as idades, no respeito pela condição de cada um e na salvaguarda dos direitos de que todos somos detentores.

Que outros planos, novas áreas de intervenção ou novos projetos ligados ao envelhecimento tem a SCML para implementar no curto e médio prazo?

Pode dizer-se que este programa condensa uma parte substancial da nossa atividade e da nossa responsabilidade. Pretendemos, ainda, continuar o trabalho de qualificar todas as respostas que disponibilizamos, seja na área da saúde ou da ação social, aproximando-as na forma como impactam a vida de cada pessoa e destruindo todos os obstáculos a uma intervenção coordenada e articulada. O centro de todo o nosso trabalho tem que ser cada vez mais a pessoa e não a instituição.

O país tem evoluído na esperança média de vida. Que medidas podem ser tomadas de modo a que esses anos adicionais sejam acompanhados de uma maior qualidade de vida?

 

Diria que o caminho é o que estamos a procurar desenvolver em Lisboa. Assumir que cada pessoa é una e possuidora de capacidades e ambições que devem ser respeitadas e promovidas. Fomentar a sua participação, reconhecer o potencial de cada pessoa, adaptar os espaços de vida e suporte e acrescer a respetiva qualidade, são formas poderosas de avançar nesse domínio.

Como a prevenção é sempre o melhor caminho, considera que os cidadãos 50+ têm, hoje, mais cuidado na preparação de um envelhecimento ativo e positivo?

Diria que há, sobretudo, uma consciência mais vincada na forma como cada um pode e deve acautelar o futuro e preparar melhor os anos de vida que temos vindo a conquistar. No entanto, há ainda muito para fazer no que respeita aos estilos de vida e ao modo como temos de ser capazes de ser parte ativa das soluções e atores participativos de tudo quanto nos diga respeito. Sem isso não há envelhecimento ativo, que de nenhum modo se pode circunscrever ao prolongamento da vida profissional. Todas a dimensões de vida devem contribuir nesse mesmo sentido.

Que papel podem ter as misericórdias e as IPSS neste tema?

Podem e devem ter um papel de primeiro plano. Desde logo pela proximidade e conhecimento que detêm das realidades locais, mas, sobretudo, pela imensa experiência que construíram ao longo do tempo. São atores essenciais de um processo que, diria, não dispensa ninguém.

O Estatuto do Cuidador Informal foi aprovado pelo Parlamento a 5 de julho. Considera que poderá ser uma boa medida?

A medida em si mesma representa um avanço no reconhecimento de todos aqueles que dedicam uma parte substancial do seu tempo, da sua energia e afeto, a cuidar de outras pessoas. Trata-se de um valor inestimável que a sociedade, no seu todo, deve preservar e desenvolver.

Creio, de todo o modo, que o importante é assegurar condições para que esse apoio possa ser prestado em boas condições, o que a formalização do estatuto por si só não garante. Cuidar de alguém, em muitas circunstâncias, exige muito mais do que afeto, amor e atitude solidária. São necessárias qualificações e aptidões que convocam formação, quando não especialização adequada. E esse é, talvez, o caminho mais difícil de seguir. Cada cuidador deve sentir que tem nas instituições um suporte permanente à forma como cuida, às dúvidas que possa ter e às dificuldades com que se confronta.

Em dezembro, o senhor provedor cumpre dois anos na liderança da SCML. Que balanço faz?

É cedo para fazer balanços e não serei seguramente eu a pessoa mais indicada para o fazer. O que posso dizer é que estes dois anos têm sido de uma riqueza imensa e profundamente estimulantes e compensadores. Creio que tenho procurado dar o meu contributo para que a SCML, honrando o seu passado, possa antecipar e construir um futuro melhor para todas as pessoas a quem chega.