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Foi o primeiro diretor do Instituto de Bioética da Universidade Católica Portuguesa (UCP) e ainda hoje, na qualidade de conselheiro, é presença diária no campus do Porto daquele estabelecimento de ensino superior. Walter Osswald cumpre 91 anos a 20 de setembro e quem o quer ver é a fazer algo, muitas vezes na UCP do Porto. Quase nunca está parado, seja em termos físicos ou intelectuais. Autonomia é palavra de ordem, a pé, pela zona da Foz do Douro, onde mora, ou, em outras zonas, no automóvel próprio que ainda conduz.
O ex-professor da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto colecionou, ao longo da vida, inúmeras distinções. Entre essas estão o Prémio Envelhecimento Ativo Dra. Maria Raquel Ribeiro, da Associação Portuguesa de Psicogerontologia, e a Grã-Cruz da Ordem de Mérito da Instrução Pública, atribuído pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.
A ponderação e o equilíbrio são, hoje e sempre, o “farol” de vida de Walter Osswald. Isso mesmo reflete-se no balanço da vida ativa que leva. “Entendo que nem tenho mérito em chegar a esta idade, nem tenho de sentir-me supérfluo ou envergonhado por ser um ancião”.
O médico salienta que o envelhecimento é um fenómeno que exige aceitação. “Quem entra em negação contra o que a natureza impõe sai vencido. Cada uma das fases [da vida] têm as suas características e todas têm dignidade”.
Walter Osswald entende que, “estando em boas condições físicas e tendo uma mente ainda ativa”, deve continuar a fazer essa vida normal, de estudo e de produção intelectual.
Mas sem exageros. “Sem o frenesim que as pessoas às vezes têm de manter a todo o custo. Tenho de fazer aquilo que entendo que ainda é meu dever, aproveitar os talentos que ainda tenho e pô-los em prática de forma que possa ser útil para as outras pessoas”.
Essa utilidade a que se refere passa muito por, a exemplo do que faz há 25 anos, continuar a contribuir para a formação “de uma forte elite” de pessoas com conhecimentos, capacidades e carácter em bioética. “Só nos últimos dez anos contribui, na UCP, para 30 doutoramentos em bioética. São 30 pessoas que sabem, conhecem e que já estão a trabalhar e a ensinar outros”.
Dotado de curiosidade
Quanto aos cuidados que tem para manter as capacidades, Walter Osswald destrinça o lado intelectual do físico.
No primeiro caso, destaca o ser “dotado de curiosidade”. Lê todos os dias o jornal e tem, por norma, dois livros em leitura. Na televisão, praticamente só vê filmes que escolhe da programação ou séries da Netflix. Além disso, continua a escrever artigos. “São estímulos permanentes”, diz.
Em termos físicos, faz o que aprendeu em Medicina. “É importante dormir o suficiente. Felizmente, não tenho insónias e durmo sete a oito horas, sem medicação. Tenho também uma alimentação equilibrada, do tipo mediterrânico mitigado. Como legumes, fruta, bebidas sem açúcar e poucas gorduras, com hidratos de carbono como fonte de energia. Mas como de tudo, somos omnívoros, o nosso normal é comer de tudo. Além disso, ando a pé e ainda vou nadar de vez em quando”.
Bilinguismo “rompeu” fronteiras
Casado e pai de seis filhos, Walter Osswald teve “uma infância feliz” com duas culturas diferentes a moldarem a personalidade. “Erámos apenas dois irmãos [o irmão Willem, já falecido, também foi médico, um reconhecido dermatologista], filhos de pai alemão e mãe portuguesa. Fomos educados com duas culturas que não são antagónicas, mas diferentes e complementares e isso enriqueceu-nos muito, alargou-nos muito os horizontes. Teve uma influência grande na posição de tolerância intelectual com que fomos educados. Aceitarmos que as pessoas são diferentes, que há tendências, correntes e opiniões díspares. Temos as nossas, que as devemos defender e expor, mas isso não pode levar a qualquer depreciação daqueles que não pensam como nós”.
Este cenário resultou, até, da diferença de religiões de pai e mãe de Walter Osswald (a mãe era católica e o pai protestante luterano).
O facto de ser fluente em duas línguas, português e alemão, também alargou os horizontes. “Permitiu-me ter acesso à muito rica cultura alemã”, explica.
A já referida tolerância intelectual esteve no processo de escolha da carreira. Walter Osswald optou pela Medicina, pela qual se “viria a apaixonar”, mas mais “por exclusão” de partes. “A minha orientação era para letras. Provavelmente, teria sido linguista, escritor, professor de línguas clássicas, mas eram todas áreas, já na altura, pouco viáveis em que ou se conseguia seguir a via da universidade ou não havia mais nada. Não era prático. Por outro lado, o que estaria mais perto desses temas seria o Direito”.
Acontece que naquela altura não havia o curso de Direito no Porto e os tempos não eram de abundância. Estávamos no fim da Segunda Guerra Mundial e, dado que trabalhava com empresas alemãs, o pai de Walter Osswald estava desempregado. Não faltando os bens essenciais, a família vivia apenas do salário da mãe. “Portanto, não era razoável sobrecarregar a casa com despesas resultantes de ir viver para fora do Porto”.
Foi aí que surgiu a hipótese de Medicina, até por ter dois tios médicos. “Não foi uma vocação, mas sabia que é uma disciplina multifacetada. Posto isso, no segundo ano encantei-me com os aspetos relativos à investigação do sistema nervoso, em particular do autónomo. Descobri a minha vocação na Medicina”.
Foi talvez o gosto pelo Direito que levou o médico até à Bioética. “É uma espécie de lago grande com ondulação própria onde desaguam vários rios, entre os quais o Direito, a Biologia, a Medicina, a Teologia, que, claramente, são indispensáveis ao seu funcionamento”.
Cidadãos são agentes de diálogo
Numa altura em que se legisla o Estatuto do Cuidador Informal (aprovado, por unanimidade, em 5 de julho, na Assembleia da República e promulgado pelo Presidente da República a 6 de agosto), o entrevistado não duvida que, num sentido mais lato, os cidadãos têm a obrigação de cuidar dos seus semelhantes. “Cuidar é mais do que respeitar o outro, porque me obriga a ir mais longe e verificar se o outro precisa de algo e, até, intervir”.