GONÇALO BYRNE Correr por gosto não cansa | Dar vida aos anos

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GONÇALO BYRNE Correr por gosto não cansa

06/05/2019 | Gonçalo Byrne, arquiteto

Gonçalo Byrne,  arquiteto. Foto de Miguel Baltazar Gonçalo Byrne, arquiteto. Foto de Miguel Baltazar

Aos 76 anos, ganha o projeto Cité de la Musique, em Genebra, na Suíça, entre 18 projetos e grandes nomes da arquitetura mundial. O foco é obra e criação contínua. Com a mesma vivacidade e capacidade de moldar espaços e meios urbanos, de acreditar na vida e nas coisas boas que ela tem, questionando, integrando a época e o tempo em que vive e aprendendo e ensinando as novas gerações, assim é Gonçalo Byrne, arquiteto de profissão, pai de 5 filhos e avô de 12 netos. Este é sem dúvida, um jovem para sempre.

Uma infância ligada ao campo deu-lhe o sentido de liberdade, de aprendizagem e de fascínio pela natureza. Sendo o pai engenheiro de minas, refere: “Tive uma grande sorte! Vivíamos num sítio lindíssimo, nas Minas da Urgeiriça. O contacto com uma realidade não urbana foi uma escola de aprendizagem e ao mesmo tempo de fascínio. Vivíamos numa pequena quinta que pertencia às minas e que tinha animais, vinhas, azeite… e isso permitiu uma grande abertura e conhecimento do mundo físico e dinâmico.” Para frequentarem a  escola primária, em Canas de Senhorim, a 5 km, iam em grupo miúdos de várias idades: “Imaginem a quantidade de aventuras e histórias que essas idas e vindas proporcionavam com a liberdade e partilha desse tempo.” A seguir, percorre o país para estudar, passando por Leiria (casa dos avós), Carcavelos (Escola Inglesa) e Viseu (para acabar o liceu). Da Escola Inglesa ficou o gosto pelo desporto. “Nunca tinha visto tantos campos de desporto. Devo ter experimentado tudo: críquete, rugby, ténis, futebol, atletismo… Nessa altura, como vivíamos longe, ficámos internos no colégio, onde fizemos grandes amigos que perduraram até hoje.”

O despertar para a arquitetura

A dúvida estava entre a arquitetura e o mar. “Gostava de ter ido para a Marinha, mas não consegui entrar e a arquitetura acabou por ganhar…” O professor Miranda, de Canas de Senhorim, foi uma grande influência e inspiração. Apesar de ensinar todas as matérias, era um excelente professor de Desenho, sempre a desafiar a nossa capacidade. “Fazíamos muito desenho ao vivo. Um dia, agarrou numa bola de papel enrugada e pediu para desenharmos… o que é um exercício bastante exigente.” Mais tarde, quando viveu em Leiria, teve contacto com uma família de arquitetos, Ernesto Korrodi de origem suíça (já falecido na época) e seu filho Camilo, que continuou a moldar o que veria a ser a sua escolha. “Comecei a ter contacto com obras e projetos, à procura de livros sobre arquitetura e a encontrar boas fontes de inspiração”. Outro marco aconteceu aos 13 anos, numa das viagens de autocarro de Leiria até casa, onde teve como companheiro um escritor americano. “Falámos toda a viagem e a certa altura ele perguntou-me o que estava a pensar fazer. Disse-lhe, com a firmeza dos meus 13 anos, que queria mesmo arquitetura. Indicou-me então um livro – The Fountainhead, de Ayn Rand –, biografia romanceada de Frank Lloyd Wright e um best seller da altura. Fui logo comprar o livro, que devorei em pouco tempo. Se havia alguma dúvida acerca do que queria fazer… ”

Foi em Lisboa que fez Arquitetura na Escola de Belas-Artes. Trabalhou em ateliers de arquitetos conhecidos, como Nuno Teotónio Pereira ou Nuno Portas. Abre o seu próprio atelier a seguir ao 25 de Abril, no Largo do Carmo, onde ganha o primeiro projeto de realojamento de bairros de lata, um projeto com um grande envolvimento com a comunidade. “Em meados dos anos 1980 começámos a ter expressão ao ganhar concursos. Ao fazer vários projetos, estes começaram a ser divulgados e apreciados em Portugal e no estrangeiro.”

Dividido entre os projetos e o ensino:

Com uma rotina diária exigente, “um escritório obriga a muito trabalho e disciplina, com altos e baixos. Quem corre por gosto não cansa. Na arquitetura existe um grande misto entre gosto e o envolvimento pelo que se faz”.

Cita uma frase que algures viu e que resume bem a profissão: “Os arquitetos são como os remadores, com os olhos postos no passado e a abrir caminho para o futuro.”

Entre o atelier e o ensino, passa as semanas na Europa, hoje na Suíça e em Itália, onde tem projetos. Recebe convites para ensinar na Europa e na América do Sul. Workshops e conferências, sempre como visiting professor, o único formato que consegue conciliar. “A complementaridade é sempre muito importante nos dois sentidos. Dou cadeiras práticas de Projeto de Arquitetura. O estar em contacto com as gerações de universitários é uma aprendizagem contínua. Estão sempre em mudança. Apesar disso, ainda os coloco a desenhar com lápis. Essa ligação entre a mente e o lápis é muito importante.”

Disciplina física e alimentar   

A energia vem da paixão pelo que faz e a parte física é cuidada com disciplina. Tem um personal trainer, anda a pé e faz natação sempre que pode. A atividade física é importante para poder viver com uma hérnia discal. “Para mim, a melhor maneira de combater o cansaço é fazer exercício físico.”

“A idade é a idade. Mas uma coisa é a idade e outra é a velhice. Procuro valorizar a passagem do tempo e da idade sem abdicar e sem me sujeitar aos clichés da velhice. Não significa abdicar. É óbvio que, se chegar a um ponto e não me puder mexer, terei de abrandar, mas ainda há a capacidade mental de ler, acompanhar, discutir e de estar com os mais novos. Aumentamos em idade mas arranjamos fontes de rejuvenescimento incríveis. Nunca pensei que a experiência de ser avô podia ser tão gratificante. Tenho 12 netos, dos 4 meses aos 22 anos de idade. Voltar a fazer de cavalo ou ter uma conversa com os netos mais velhos e perceber o mundo deles, há todo um intercâmbio que é fascinante. A experiência do próprio tempo em que se vive. Não trocava de época, pois é uma altura desafiante. Tenho uma atitude otimista em relação ao futuro. Poder viver neste tempo de transição é de uma riqueza infinita. Daí a minha curiosidade para tentar perceber, adivinhar. É claro que muitas vezes engano-me. É um direito de hoje, o direito a poder enganar-me.”

Vive com diabetes tipo 2, muito pelo nível de stress a que está sujeito, mas que tenta controlar com a alimentação e com ginástica regular. Toma alguma medicação ligeira mas ainda tem a esperança de poder deixar de a usar. “Estou particularmente motivado, pois vi um documentário sobre uma dieta hipocalórica que tem dado 80% de taxa de regressão, um programa que o sistema nacional da saúde inglesa tem adotado para esses casos.”


Novo projeto aos 76 anos: Cité de la Musique, em Genebra

Toda a sua carreira foi feita com concursos públicos. “Embora tenhamos tido algumas boas encomendas, o grosso foram os concursos cá e fora.” Um exemplo foi a Casa da Província, sede do governo flamengo na Bélgica. “Partimos sempre com a ideia de que vamos ganhar os concursos. A entrega é total. Quando acabamos, perguntamos internamente: valeu a pena? Se sim, então já ganhámos. É óbvio que podemos não ganhar, mas há sempre a sensação de dever cumprido.” O projeto Cité de la Musique foi muito bom. Foi feito em parceria com um atelier local suíço. “Para mim, a perspetiva da reforma sem poder trabalhar não faz sentido… . Se depender de mim e estiver em forma… continuarei a trabalhar…”

Viver na cidade: o que é importante

“A qualidade arquitetónica dos edifícios materializa-se nas casas onde se vive, nos hospitais, nas salas de concertos, nos centros comerciais, e na qualidade do espaço público, sendo que este, muitas vezes, é o parente pobre da cidade. Felizmente isso está a mudar. O espaço público é onde a cidade é de facto cidade. Fora deste, é o espaço privado das pessoas, da família. O espaço partilhado é o espaço público.”

Os espaços têm de estar adaptados para que as pessoas convivam com qualidade de vida. Sempre houve uma inter-relação entre a qualidade dos espaços e a forma como as pessoas os usufruem. Não é uma garantia, mas se as pessoas habitarem em espaços agradáveis e estimulantes, estes podem ajudar a acrescentar maior qualidade de vida.