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Abdicam da vida profissional e social. Muitas vezes sem darem conta, colocam-se em stand by para cuidarem quase 24 horas por dia, sete dias por semana de pessoas próximas que precisam de apoio por estarem num estado de dependência total ou próximo disso. É esta a realidade dos cuidadores informais, que, estima-se, são mais de 800 mil, dos quais 230 mil a tempo inteiro. Num país com cerca de dez milhões de habitantes, são números importantes.
Testemunhos de duas cuidadoras informais
Falámos com Nélida Aguiar e Carla Catarina Neves, duas cuidadoras informais e das várias pessoas que estiveram na linha da frente da luta pela criação do Estatuto do Cuidador Informal, aprovado, por unanimidade, em 5 de julho, na Assembleia da República e promulgado pelo Presidente da República a 6 de agosto.
O sentimento é de vitória, mas tangencial. “É uma primeira vitória, sim, mas confesso que só quando vir as primeiras decisões postas em prática é que acredito que alguma coisa passa, efetivamente, do papel para a vida real”, explica Carla Catarina Neves, de 44 anos, que colocou, há quase dez anos, a profissão de jornalista em pausa para cuidar da avó. Hoje, são já cuida de três familiares.
“Mesmo tendo falhas graves – por exemplo, quando limita a definição de Cuidador Informal a ser um familiar – pode ser um bom ponto de partida, para alcançarmos outras metas”, acrescenta.
O trabalho dos cuidadores informais é um trabalho silencioso e que faz com que o Estado poupe muito dinheiro. Um estudo encomendado pelo Governo concluiu que este trabalho de ser cuidador vale cerca de 333 milhões de euros por mês.
“Se cuidarmos dos nossos, em casa, o Estado não tem de assumir pagamentos às IPSS e os custos hospitalares também diminuem. É do conhecimento geral que os doentes institucionalizados acabam por recorrer mais vezes às urgências”, defende a jornalista da Figueira da Foz.
A madeirense Nélida Aguiar, cuidadora informal da mãe, que sofre de demência de Alzheimer, há oito anos (depois de já ter cuidado do pai desde os 12 anos), também se refere ao Estatuto aprovado como “apenas a primeira batalha ganha”, e que ainda fica muito por fazer. Não obstante, esta profissional do turismo vê na legislação um primeiro passo importante.
“O facto do governo se comprometer, a desenvolver ‘medidas de apoio’ e a reforçar a ‘proteção social’ destas pessoas, que muitas vezes têm de deixar o seu emprego para ficar a cuidar de um familiar, amigo ou vizinho, já é muito bom”. Nélida Aguiar recorda que “em momento algum se falou tanto sobre o cuidador informal, como agora”, pelo que está o caminho aberto para “o reconhecimento e por medidas bem mais abrangentes”.
Dinheiro não é o mais importante
Além de apoios materiais, são defendidos apoios sociais a quem cuida. “Existem medidas de apoio simples, que nem mexem no Orçamento do Estado e deveríamos começar por aí, como por exemplo, reconhecer que um cuidador informal deveria ter acesso prioritário a apoio psicossocial”, considera a madeirense de 47 anos.
O dinheiro não é, aliás, o apoio que os cuidadores informais têm no topo da lista das solicitações. “À medida que fui ouvindo deputados da Assembleia da República, percebia que poucos sabiam do que falavam e que continuavam (e continuam) a achar que apenas queremos um subsídio ao fim do mês. Sim, o dinheiro é importante – porque vamos ficando sem ‘fundo de maneio’ para fazer face a tanta despesa –, mas é preciso muito mais do que dinheiro”, salienta Carla Catarina Neves.
A contabilização dos anos para uma carreira contributiva, novos cálculos para o acesso a Cuidados Continuados para Descanso do Cuidador, a comparticipação de terapias – da fala, ocupacional, etc. – e de suplementos essenciais ao bem-estar do doente ou, entre outros, programas de apoio à adaptação das casas a doentes com necessidades especiais são, de acordo com a mesma fonte, solicitações mais importantes.
Cuidar do cuidador
Todos sabemos que há que cuidar de quem está doente ou incapacitado. Porém, também é preciso cuidar do cuidador.
“Quem não lida com a situação de perto, dificilmente tem essa noção”, mas a jornalista-cuidadora considera que o cenário já foi pior. “Nos últimos dois anos – e graças ao interesse que a comunicação social começou a ter no assunto – vimos as opiniões mudarem a nosso favor. Foi preciso entrar na casa e na vida dos cuidadores para que as pessoas percebessem, finalmente, o que é deixar de ter vida própria”.
Recuperar energias de uma vida tão absorvente não é fácil, mas, de acordo com Nélida Aguiar, ter atividades complementares é uma boa ajuda. “Descobri na dança um momento que é relaxante e só meu, e tento-o fazer sempre que me seja oportuno. E para bem da minha sanidade mental, estipulei uma regra, que é tirar um fim-de-semana de três em três meses só para mim”.
O facto de não ser cuidadora a tempo inteiro permite a Nélida Aguiar ter estes privilégios, “na sua maioria inatingíveis para muitos cuidadores informais, que não têm sequer com quem deixar de quem cuidam”.
A mesma fonte realça o grande desgaste a que os cuidadores são sujeitos e que é importante manter um círculo social. Avisa, porém, que isso não é fácil, dada a pouca disponibilidade que estas pessoas têm para se encontrarem com os amigos.
Otimismo, apesar de tudo
Se nos pais, quando os filhos saem de casa, no fenómeno conhecido por empty nester (ninho vazio), há dificuldades, também nos cuidadores pode haver essa realidade quando (neste caso por norma por razões mais tristes) o cuidado deixa de ser necessário. “O cuidador vai sentir um grande vazio, sim”, conta a jornalista em stand by. “Pior, vai sentir que, durante o tempo em que foi cuidador ‘perdeu’ amigos (que agora dificilmente recupera), deixou de ter atividades que lhe davam prazer (e que agora são difíceis de retomar) e pode até sentir que é incapaz de voltar a ter uma vida ‘normal’”, defende. “Também aqui será preciso uma intervenção social”.
Apesar de tudo, é possível encontrar otimismo na experiência de ser cuidador. “A experiência mais enriquecedora talvez seja a de conseguimos ajudar outros cuidadores, que começam a deparar-se com problemas que nós conhecemos há anos. Sentir os abraços de agradecimento de alguém com quem falámos apenas dez minutos e que sente que o compreendemos é impagável”, destaca Carla Catarina Neves.