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Um dos maiores desafios da atualidade médica, e muito concretamente das ciências da nutrição, não é o aumento dos anos de vida, mas sim o aumento da qualidade de vida na maior longevidade que se conquistou. Esta conquista foi grandemente consequente aos cuidados médicos e ao esbatimento, em muitos países, da escassez alimentar. Mas na verdade o consequente aumento de longevidade acompanhou-se de outros, novos, desafios na saúde, como o aparecimento das doenças crónicas não transmissíveis.
Se por um lado este desafio significa relevar a importância dos cuidados em nutrição no envelhecimento, mais ainda significa salientar a importância de hábitos alimentares adequados ao longo da vida, sobretudo nas idades mais precoces. O impacto de uma alimentação inadequada ao longo da vida tem muitas vezes períodos longos de silêncio, pois o impacto é maioritariamente a longo prazo. Por isso, só em idades mais avançadas os danos são reais.
Deve-se a David Barker, epidemiologista de Cambridge, Reino Unido, desde os anos 1990, a teoria da “origem fetal das doenças do adulto”. De acordo com esta teoria, o período perinatal é crucial e determinante da saúde (ou da doença) na vida adulta. Assim, fatores de risco, como os estilos de vida adotados pela grávida, ou adotados durante a primeira infância, ou pelo adulto jovem, são determinantes num envelhecimento saudável ou com doença. A incidência de doenças como o cancro, a diabetes, as doenças cardiovasculares, as doenças neurodegenerativas, por exemplo, está intimamente associada à forma como nos preparamos para o envelhecimento, aos estilos de vida adotados ao longo da existência, sobretudo à alimentação.
No fundo, estamos a falar de prevenção. No entanto, o enfoque na alimentação e na nutrição que se adote na idade mais avançada é também, como já mencionado, uma matéria que merece especial atenção. As condições fisiológicas impostas pelo envelhecimento dos tecidos e dos órgãos influenciam as especificidades das necessidades nutricionais deste período, assunto muitas vezes negligenciado. Exemplificando: com a idade vamos perdendo a “sensação de sede”, há perda de apetite, dificuldades de mastigação e de deglutição e ainda são frequentes as alterações na absorção intestinal de muitos dos nutrientes.
Grande parte dos estudos internacionais, observacionais, e obtidos em inquéritos alimentares nacionais em populações de indivíduos mais velhos mostram que frequentemente as carências mais vezes encontradas são de proteína, de ácidos gordos ómega 3 (encontrados no peixe gordo), de fibra alimentar, de carotenoides (vitamina A e precursores, zeaxantina, entre outros), de cálcio, de magnésio, de potássio e de vitaminas B6, B12, D e E. Teria sido, por exemplo, por isto que as orientações nutricionais para a população americana, idosa, em 2015, tiveram em especial atenção a ingestão de proteínas, de fibra alimentar, de potássio e de vitamina D. Particular cuidado deve ainda ser dado se, por exemplo, se tratar de indivíduos com medicação crónica com antiácidos, que podem contribuir para deficiência de vitamina B12. A deficiência desta vitamina associa-se a perturbações do metabolismo com impacto neurológico. Por esta razão, essa deficiência acaba por ser muitas vezes negligenciada pela dificuldade de diagnóstico diferencial relativamente ao que pode ser considerado “normal” deterioração cognitiva inerente à idade. Daqui, reforça-se que deve ser dada especial atenção às necessidades associadas à idade mas também tendo em conta o histórico de medicação.
Sabe-se que uma nutrição adequada (à idade, à estatura, à condição metabólica, ao sexo e ainda à atividade física, fundamentalmente) é um dos principais pilares para um envelhecimento com majoração de todas as potencialidades que teremos para um envelhecimento com qualidade.
Em suma, a prevenção, a eliminação de fatores de risco das doenças crónicas, com hábitos alimentares adequados, poderá traduzir-se numa redução do risco das doenças cardiovasculares e diabetes tipo 2 em cerca de 80 por cento.
O excesso calórico, insuficiente presença de alimentos ricos em nutrientes como os hortícolas, a fruta e as leguminosas, em associação com uma presença de consumos elevados de carne vermelha (mais do que 50 g/dia) e ainda os ritmos circadianos inadequados, traduzir-se-á mais tarde em menos anos de vida ou em anos de vida condicionados. Manter um peso adequado, alimentar-se bem, seriam duas regras de ouro (em que uma condiciona a outra) para ser possível desfrutar os mais anos de vida com a qualidade merecida. Estudos epidemiológicos mostram de forma clara que (i) dietas ricas em gordura, pobres em fibras, estão associadas às doenças crónicas e ao declínio cognitivo; (ii) a dieta mediterrânica está inversamente associada às doenças crónicas e ao declínio cognitivo.
Micronutrientes como os minerais possuem um intervalo muito curto entre a dose recomendável e o limite máximo tolerado, o que significa que muitas vezes os suplementos poliminerais podem não ser o mais adequado. O excesso de ferro, por exemplo, aumenta o risco cardiovascular, pelo que se reforça a importância das mensagens personalizadas, já que a suplementação global poderá trazer riscos de toxicidade.
A alimentação que não prepara para o envelhecimento saudável pode conduzir a sarcopenia, uma condição muitas vezes associada à idade e que quer dizer um enfraquecimento muscular, algumas vezes por perda de peso com redução da massa muscular, outras (cada vez mais), por perda de massa muscular mas obesidade. Esta condição está associada a maior suscetibilidade para a doença, com impactos biológicos, sociais e cognitivos.
Alterações alimentares ao longo da vida condicionam as bactérias intestinais, o microbiota intestinal. Modificações do microbiota intestinal, disbiose, conduzem a uma maior suscetibilidade para as doenças crónicas. Por exemplo, a toma de antibióticos, associada a um dos grandes problemas médicos que é a existência de mais bactérias multirresistentes, traduz-se também num enorme impacto no metabolismo do indivíduo devido a desequilíbrios no microbiota intestinal. Assim, deve ser reforçada a importância e o olhar atento para estes assuntos, quer do ponto de vista médico quer do ponto de vista alimentar, com reforço da importância para a ingestão de prebióticos (hortofrutícolas) e de alimentos probióticos.
Em suma, a dieta mediterrânica, rica em consumo de fruta, de hortícolas, de peixe, de azeite, ao longo da vida, é crucial para manter mais anos com qualidade de vida, muito à custa do seu papel (dos componentes dos alimentos) contra a infeção e a inflamação.