Parar é morrer! Diz aos 99 anos, a diretora do jornal de Alte | Entrevistas

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Parar é morrer! Diz aos 99 anos, a diretora do jornal de Alte

12/07/2022 | Sílvia Triboni

Entrevista à Albertina Madeira, que ao 99 anos dirige um jornal no Algarve Foto: Silvia Triboni Entrevista à Albertina Madeira, que ao 99 anos dirige um jornal no Algarve Foto: Silvia Triboni

Dirigi-me, então, à Freguesia de Alte, no concelho de Loulé, no Algarve, aquela região portuguesa famosa por suas praias maravilhosas, seu clima e agora também pela grande personalidade local. 

Albertina Madeira, minha colega da área do jornalismo. Acompanhou-me na missão minha amiga Marisa Cruz, também Repórter 60+ de Portugal, que fez também artigo para o Impulso Positivo que pode ler aqui.

Albertina de Sales de Paula Madeira, que fará 100 anos no dia 29 de janeiro, recebeu-nos com um grande sorriso em sua casa assobradada no centro histórico da aldeia, onde funciona também o Jornal Ecos da Serra. 

Fundado por um grupo de amigos de Alte, há mais de 50 anos, este jornal tem a sua história ancorada em fatos que marcaram Portugal e todos os seus cidadãos.

Na entrevista, Dona Albertina conta um pouco sobre esta bela história e sobre o propósito inicial do Ecos da Serra que alcança leitores em todo o país e fora dele.

Jornalismo com missão humanitária

Acomodadas em uma confortável sala repleta de fotos de família e imagens religiosas, apresentei-me e iniciamos uma longa, descontraída e muito doce conversa, cujo resumo reproduzo para que conheça Albertina Madeira, o seu trabalho, o seu dinamismo e a graça e doçura com que leva a sua vida.

Silvia Triboni (ST) – Conte-nos sobre a sua vida e como iniciou o trabalho ligado ao jornalismo, no jornal Ecos da Serra.

Albertina Madeira (AM) – Acho que foi há cinquenta e tal anos que a minha irmã com um grupo de amigos lembrou-se de fazer um jornal. Pois é, o Ecos da Serra foi assim que começou: com um grupo de amigos.

Há cinquenta anos não havia televisão, não havia o telefone, também não havia nada o que fazer. O que se fazia aos domingos? Aos domingos passeávamos, íamos ver as belezas da nossa terra a fonte grande e a pequena, o vigário (uma cascata loal) a freguesia e sua vista muito bonita para a serra, e à noite juntávamos na casa de uma pessoa amiga. Jogávamos geralmente o loto. E depois lembrámo-nos: a nossa terra precisa de tanta coisa… e se trabalhássemos para a nossa terra, para ajudar nalguma coisa que ela necessitasse? Então a minha irmã com esse grupo, onde eu também estava, nos juntamos e fizemos o jornal.

Esse jornal era então para os militares que estavam na guerra do Ultramar. Mandávamos às vezes no Natal uma garrafinha pequenina de água ardente e um balaio de figos e amêndoas. Eles ficavam muito contentes e nos escreviam muitas cartas a agradecer e dizer o que eles passavam lá.

Depois da guerra passamos a enviar o jornal para o estrangeiro, para os emigrantes. Até hoje tem sido assim. E então arranjámos muito dinheiro. Para reconstruir o telhado da igreja que estava muito arruinado, o assoalho da igreja que também estava esburacado, uma ermida que há aqui perto. Os quadros de São Luís já nem se apercebia nada, mandamos reconstruir. Ajudámos na piscina que é na Fonte Grande, e fizemos muitas outras coisas. Por intermédio do jornal, a gente pedia e as pessoas mandavam qualquer contribuição para estas obras que a terra e a igreja também precisavam.

Fazíamos récitais. São teatros. Fazíamos, assim uns bonzinhos. Olhe, uma vez fizemos um teatro e levámos essa peça a Loulé, a sede do conselho. Estavam uns senhores atrás de nós e ouvimos-lhes a dizer: mas eles trabalham tão bem que parecem já artistas de Lisboa.

Empreender em qualquer idade

ST – O exemplo da sua irmã Maria de Lourdes e o seu significa muito para nós, os sêniores do Brasil e de Portugal, para vermos que é possível empreender em qualquer idade.

AM – Todos os dias dou graças a Deus. Posso fazer comida, posso limpar, varrer… claro, que já não tenho a agilidade dos meus 20 anos… Estou também a fazer uma blusa de tricô para o neto da minha afilhada. Fiz um casaco grande. Graças a Deus tenho essa possibilidade, porque há pessoas que já estão com as mãos muito entanguidas e não podem trabalhar ou andar bem.

 

ST – Parabéns, que bom! Gostava que nos falasse também sobre o seu trabalho lá no jornal Ecos da Serra. A senhora também faz a revisão dos textos?

AM – Sim, acabo por fazer. Gosto de poder sempre ajudar. E algumas vezes encontro uma coisa que não devia ter sido posto. É só isso.

 

ST – Isso é muito importante. É bom ter alguém que nos mostre os erros, pois o texto pode estar bom para nós que escrevemos mas não está entendível para quem o lê.

Durante os 50 anos do jornal é chegada a internet. Como foi essa passagem? Com a sua irmã Maria de Lourdes, falecida em 2012, chegou adicionar a tecnologia no trabalho do jornal?

AM – Sim. Ela aprendeu. Sabia escrever à máquina eu não aprendi. Ela gostava muito de aprender. Eu sou uma pessoa muito descuidada. Não percebo nada desta tecnologia moderna. Os meninos fazem esse trabalho todo. Estou arrependida de não ter aprendido.

Albertina Madeira e sua afilhada Maria Antónia

Amigos e religiosidade para uma vida longa

ST –Uma vez aprendi que podemos considerar nossos amigos como uma Família Social. Tem muitos amigos?

AM – É verdade! Tenho muitos amigos aqui. Toda a gente é minha amiga. Não tenho inimigos.

 

ST – Fiquei feliz pois vi que tem uma imagem de Nossa Senhora Aparecida, a padroeira do Brasil e minha madrinha pois me chamo Silvia Aparecida.Costuma ir a missa aqui em Alte?

AM – Vou na missa sim, mas agora vou fora daqui. Ganhei esta imagem de um parente que mora no Brasil.

Tenha uma vida calma!

ST – Algo que todos nós queremos saber é qual a receita de vida que a senhora pode nos dar para que cheguemos aos 99 anos igual a Si?

AM – Que seja saudável e não uma pessoa marafada, expressão algarvia, que significa muito aborrecida, zangada. Quer dizer que uma pessoa tem de ter uma vida mais calma para chegar assim como eu.

 

A pessoa deve ter uma vida mais calma sem muitas preocupações do trabalho. Ter uma vida tranquila.

ST – Como é a sua alimentação? Sabemos que as pessoas longevas têm uma alimentação bem saudável. A senhora come de tudo? Com que frequência come carne?

AM –  Tenho uma alimentação muito simples, como grão, feijão, couve, galinha, peixe cozido ou porco de vez em quando. Como carne mais de uma vez por semana.

 

ST – Sobre a sua qualidade de vida, já nos falou sobre a sua alimentação, sobre os amigos, e quanto ao trabalho? Acha que o trabalho tem sido importante na sua vida?

AM– O trabalho que tinha era ajudar na gestão da casa. Nunca estive parada. Até me admira gente que se senta em frente da televisão podendo trabalhar.

Dona Albertina e seu licor de medronho

Parar é morrer!

ST – Nós estudamos que um segredo, ou um elemento-chave da longevidade saudável é ser ativo e fazer algo constantemente.

AM – E com gosto! Uma coisa engraçada! Tempo atrás cai das escadas e parti o úmero e depois estive muito tempo sentada, sem fazer nada. Depois pensei assim: E se eu escrevesse no jornal sobre o que existia na minha rua, sobre as pessoas que existiam aqui na minha rua. Comecei a escrever e dizer sobre elas, sobre os seus ofícios.

Depois lembrei-me de escrever o porquê é que esta rua tem este nome, e aquela tem outro nome. E agora tenho estado a escrever. Eu escrevo de uma maneira simples, como uma miúda da 4ª Classe.

 

ST – Sabe gostei muito de ver as crônicas que está a escrever no jornal sobre as ruas e o porquê dos nomes. Nós estamos a aprender muito consigo.

Agora eu gostava que a senhora enviasse um recado para nós brasileiros e portugueses que são os nossos leitores. O que nos poderia dizer para nos incentivar a termos uma vida ativa?

 

AM – A vida está tão diferente. Ter sempre confiança em nosso Senhor e Nossa Senhora, e nunca desesperar. Continuar sempre para a frente e nunca parar.

Parar é morrer!

É difícil viver a vida como deve ser vivida! É preciso uma grande força de vontade e uma grande capacidade de inteligência para não ir nessa corrente má onde estamos envolvidos. Peço sempre a Deus paz em nossos corações.

 

ST – D. Albertina a senhora é um exemplo de Mulher em primeiro lugar e para todas nós mulheres de todas as idades. O brilho no olhar que a senhora tem vai ficar para sempre na minha memória e com muita gratidão.

É um exemplo de longevidade ativa, pois aos 99 anos escreve, dirige um jornal, verifica tudo e ainda colabora em duas colunas. Eu faço ideia do quanto todos os soldados da Guerra Ultramarina e todos os mais de 800 leitores são gratos à Senhora e ao Jornal Ecos da Serra.

Muito obrigada! Desejo muitas alegrias e felicidades.

AM – Fiquei muito grata de tê-las aqui. Gostei muito. São muito agradáveis.

 

Uma taça de licor de Medronho, docinhos de figo e folhas de louro para as Repórteres 60+ Portugal.

Mal sabíamos o que nos aguardava ao final da entrevista. Albertina Madeira levou-nos a uma outra sala onde nos serviu seu famoso, e delicioso, licor de medronho, acompanhado dos saborosos docinhos de figo que faz, inclusivamente para presentear as suas visitas.

Claro que pedi uma segunda taça para degustar, de verdade, este exclusivo e delicioso licor de Portugal.

medronho é uma fruta típica da região mediterrânica e Europa Ocidental, muito encontrado no Alentejo e no Algarve.

Passamos a identificar os ingredientes desta iguaria, ao passo que Dona Albertina ia dizendo se estávamos certas, ou não. São vários e fazem do licor de medronho da Dona Albertina uma bebida exclusiva do Algarve.

Mostrou-nos, também, os seus trabalhos em tricô, todos feitos com perfeição e bom gosto. Observação! DONA ALBERTINA NÃO USA ÓCULOS!

As surpresas não tinham fim. Levou-nos ao seu belo pomar e horta no fundo de sua casa, alcançável mediante a subida de várias escadas íngremes.

Observação! A BRAVA SENHORA SUBIU TODAS AS ESCADAS SEM QUALQUER TIPO DE AJUDA.

Vimos as suas belas árvores de laranja, limão, medronho, figos, nêsperas, pera abacate e muitas especiarias. Fez questão de colher galhos de louro para nós duas.

Fomos embora muito agradecidas com os nossos presentes, com os nossos corações aquecidos e as nossas almas radiantes de tanta energia e carinho vindos de Albertina Madeira.

Bem-haja!