Preconceito etário nas empresas, um caminho para superar | Sociedade

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Preconceito etário nas empresas, um caminho para superar

05/01/2021 | Sílvia Triboni

Idadismo? Uma forma de descriminação no local de trabalho. Foto de Andrea Piacquario em Pexels Idadismo? Uma forma de descriminação no local de trabalho. Foto de Andrea Piacquario em Pexels

Leio esse diálogo em um artigo sobre idadismo. Quanto desconforto me traz!

Desconforto por aceitá-lo plenamente possível, e frequente, nos bastidores empresariais nos dias de hoje.

Imediatamente remeto-me ao meu passado corporativo, enquanto gestora de recursos humanos, para identificar algum ato injusto de preconceito etário que eu mesma, ou nossa equipe, possamos ter cometido. Nenhuma lembrança negativa pesa em minha consciência. Felizmente!

Meu desconforto atenua à lembrança de uma época em que não se falava em idadismo, etarismo, preconceito etário.

Era um período em que chefes e colegas mais velhos eram os que mais nos inspiravam respeito e reverência. Quanta honra podermos contar com suas orientações e mentorias. Era motivo de orgulho na família ter um filho que trabalhasse em organizações longevas, ao lado dos profissionais que tivessem acompanhado o crescimento e envelhecimento de suas firmas

A longevidade da empresa e a longevidade do trabalhador eram igualmente reverenciadas.

O leitor pode pensar que estou me referindo a priscas eras. Mas, não! Refiro-me há bem pouco tempo. Aposentei-me em 2017.

No lugar do desconforto anterior, questiono-me:

 

Afinal, quando surge o preconceito etário nas empresas?

O que influenciou os sectores de recrutamento e selecção a estabelecerem padrões preconceituosos de avaliação da adequação do candidato a uma vaga de emprego, ou a uma promoção?

Será que na época em que nós os baby boomers representávamos a maior faixa etária dentro das organizações a idade dos trabalhadores despertava algum tipo de repulsa como hoje em dia?

O mito do idadismo acentuou-se nas empresas a partir da entrada de novas gerações em sua força de trabalho, e, consequentemente, nos cargos de chefia?

Quando deixou-se de honrar os trabalhadores mais velhos tanto quanto se honrava as empresas antigas?

Será que este preconceito decorre do fato de agora existirem várias gerações convivendo em um mesmo ambiente de trabalho? Em que a geração mais nova contesta os valores das gerações mais antigas, como a tradicional birra entre pais e filhos?

 

Contraposição entre gerações

Busco respostas e passo a entender, um pouco, as características e diferenças entre as gerações Baby Boomers, X, Y e Z, nas palavras do Professor Leandro Alves de Siqueira, do Instituto de Gestão e Tecnologia da Informação.

Em suma: “geração dos baby boomers – vieram ao mundo entre 1945 e 1965 – têm características fortes, por tratarem-se de nascidos no pós-guerra. Em um período de incentivo ao aumento das taxas de natalidade, frente às baixas de guerra. A mulher entra no mercado de trabalho e se impõe como força de trabalho nas fábricas e escritórios.

A geração X, dos nascidos entre 1965 e 1985, se apropria de conquistas sociais, culturais, políticas, religiosas e filosóficas, bem como de uma certa liberalidade de costumes em um mundo que começa a se organizar, ainda que polarizado diante da guerra fria. Surge o conceito do workaholic, aquele que trabalha demasiadamente, seja por compulsão, imposição ou, mesmo, por almejar resultados que alimentem seu ego e o aproximem do padrão americano, referencial de sucesso.

Nas duas gerações descritas acima, as relações entre empregador e empregado seguem um padrão de lealdade. Em troca de uma pretensa estabilidade no emprego, o trabalhador se mostra leal e é valorizado socialmente por isto. É malvisto aquele que passa por várias empresas.

A geração Y, dos nascidos entre 1985 e 1995 e também conhecida como “millenial”, faz uma forte contraposição às anteriores. Enquanto se apropria das mudanças culturais, tecnológicas e, principalmente, económicas, o representante desta geração começa a se opor ao modelo de lealdade nas relações com o empregador.

Com a disseminação do conceito da inteligência emocional, o paradigma psicopedagógico é repensado e a escola passa a formar indivíduos mais generalistas e ambiciosos. A fartura material e a obsolescência rápida da tecnologia, fazem com que o indivíduo Y tenha uma tendência a descartar mais facilmente – tanto no sentido material, quanto no trabalho. Isto cria uma mudança grande na relação entre empregado e empregador.”

Fim da lealdade. Surge o modelo do comprometimento “eterno enquanto dure”

Continua o Professor Leandro: “O modelo de lealdade, marca das gerações Baby Boomer e X, cai por terra e surge o modelo de comprometimento. Neste modelo, o indivíduo se compromete com a organização para a qual colabora enquanto percebe que há oportunidade de crescimento. Não havendo, ele começa a procurar novas alternativas.

Os representantes da geração Z, nascidos a partir de 1995, também adoptam o modelo de comprometimento. Pela primeira vez na história das relações de trabalho, quatro gerações convivem em um mesmo ambiente.

Isto cria uma mudança grande na relação entre empregado e empregador.

O conhecimento traz-me à mente algumas conjecturas para o surgimento do preconceito etário nas empresas.

Reconheço no conflito entre as gerações, e diversidade cultural entre trabalhadores de um mesmo ambiente de trabalho, como potenciais causas do surgimento do idadismo.

Penso que o empregador/recrutador millenial, e sua característica de desapego à instituição, possa ver o trabalhador 50+ como algo descartável.

Da mesma forma, posso acreditar que empresários millenials possam ser desapegados inclusive de suas próprias criações, quanto ao tempo de vida delas. Desinteressados de testemunharem a longevidade das mesmas e de uma futura sucessão.

E, por falar em longevidade empresarial, as empresas são vítimas do preconceito etário? Ou só os trabalhadores?

Deparo-me com esta grande e injusta contradição:

A empresa quanto mais antiga mais respeitada é, enquanto o seu trabalhador se vê desprestigiado com o avançar da idade.

Na elucidativa e reveladora dissertação O Pós-carreira, como oportunidade de realização de potencialidades, a Mestre em Psicologia Sistêmica pela PUCSP, Lilian Shibata, ressalta a lamentável incongruência:

“um aspecto interessante e paradoxal é que o envelhecimento cronológico da empresa que se traduz na história e tradição, resultando na importância estrutural da instituição, não corresponde ao envelhecimento de seus recursos humanos. O significado do envelhecimento da empresa agrega os sentidos de confiabilidade, competência, força e versatilidade, adjectivos qualificados no mundo dos negócios. O contrário ocorre injustamente no envelhecimento dos homens trabalhadores…De ilustres as pessoas tornam-se simplesmente velhas, de experientes e respeitados os idosos transformam-se em depositários de uma memória do passado.” (Shibata)

Lilian Shibata atua em empresas familiares na facilitação de conversas societárias, e na construção e implementação de processos para um efectivo funcionamento dos diferentes fóruns de governança.

Constatação lamentável, porém verdadeira.

Ao ler sobre a empresa mais antiga do mundo imediatamente senti respeito e admiração.

Não pensei em velhice e sim em tradição, confiança e força. Logo imaginei quem poderia ser funcionário mais antigo da Kongo Gumi, empresa do sector da construção civil no Japão, que iniciou sua operação no ano de 578.

Talvez algum japonês centenário, cujos ancestrais também ali trabalharam na construção de templos durante 14 séculos.

Esta equação “empresa e funcionário longevos” desperta muita estima e consideração, e há de voltar a ser respeitada.

Felizmente, minha indignação inicial levou-me a encontrar boas novas: há relevantes pesquisadores e especialistas na batalha pelo fim do preconceito etário, a provocarem novos raciocínios e comportamentos nas áreas de recursos humanos.

 

A idade avançada não é uma desvantagem competitiva

Josh Bersin, fundador da Bersin by Deloitte, e da Josh Bersin Academy, escola de pesquisa e desenvolvimento profissional para o RH e líderes de empresas, e Tomas Chamorro-Premuzic, professor de psicologia de negócios na University College London e na Columbia University, e professor adjunto no Harvard’s Entrepreneurial Finance Lab., escreveram para a Harvard Business Review, nestes termos:

“Contrariamente ao que se acredita, dizem esses especialistas, as pessoas mais antigas e com mais tempo de casa são as que têm mais êxito como empreendedoras. Aquelas com mais de 40 anos têm três vezes mais chances de criar uma empresa promissora como resultado da natureza paciente e colaborativa, e a ausência de uma atitude de “auto-afirmação”, que normalmente acompanha os mais jovens.”

 

E na esteira das perguntas que fiz, faço outra:

- E o nosso leitor tem as mesmas questões que aqui foram referidas?

- E respostas? Alguma que possa partilhar?

Creio que, juntos, possamos debater e atuar no refazimento da ética que deve preponderar nos processos de recrutamento e selecção de pessoas com mais de 50+ ou mesmo 40+.

 

Silvia Triboni – Editora e Produtora de conteúdo em Longevidade e Turismo na Across Seven Seas

www.acrosssevenseas.com