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Impulso Postivo (IP): O “Programa Lisboa Cidade de Todas as Idades” é muito ambicioso e procura contribuir também para a qualificação da intervenção na área da longevidade e envelhecimento na cidade de Lisboa. Pedia-lhe que nos explicasse em que consiste o “Programa Lisboa Cidade de Todas Idades” e qual o seu objetivo para quem ainda não conhece este programa?
Mário Rui André (MRA): O Programa Lisboa Cidade de Todas as Idades pretende ser um instrumento estratégico de sistematização de um conjunto de medidas na área da longevidade e do envelhecimento que visem reforçar a visão de uma Cidade verdadeiramente para Todas as idades,
O programa assenta numa parceria colaborativa que envolve os principais atores organizacionais da Cidade: Câmara Municipal de Lisboa; Santa Casa da Misericórdia de Lisboa; Administração Regional de Saúde; Instituto da Segurança Social; Polícia de Segurança Pública e todos os stakeholders da Rede Social de Lisboa envolvidos no desenvolvimento de respostas na área da longevidade e envelhecimento, desmultiplicando-se nas Comissões Sociais de freguesia e nos fóruns de Cidadania e, neste sentido, procurando sempre dirigir a sua ação de acordo com as expetativas e potencialidades dos cidadãos.
Ouça também o nosso podcast onde falamos sobre estes temas com Mário Rui André da SCML
IP: Na senda da longevidade, na promoção do bem-estar da população com 65+ anos, como podem ser concretizados estes objetivos?
MRA. A qualificação da intervenção na área da longevidade e envelhecimento, de acordo com o Programa, deve desenvolver-se tendo como referência 3 eixos:
O Eixo da Vida Ativa visa a promoção de condições para uma vida ativa e inclui medidas de promoção da participação dos cidadãos, em todas as fases da sua vida, na atividades de âmbito cultural, desportivo, formativo, e na intervenção cívica.
Algumas das medidas mais importantes passam por facilitar a mobilidade na cidade através de transportes públicos acessíveis. Mas também pelo desenvolvimento de fóruns de cidadania a nível local que promovam a participação das pessoas e o desenvolvimento de programas de formação e empoderamento ao longo da vida.
Por exemplo, na Santa Casa temos desenvolvido a participação associativa com o apoio às marchas populares e outros projetos que procuram incentivar a participação dos mais velhos como o “Beleza não tem Idade”
Já o eixo da Vida Autónoma visa a melhoria do espaço público e a mobilidade pedonal, e a qualificação de serviços e respostas locais que promovam a autonomia como, por exemplo, a requalificação dos centros de dia, tornando-os mais intergeracionais e adequados às novas dinâmicas sociais. Mas também promover a habitação como o local mais adequado para se viver o mais tempo possível, em vez da institucionalização. Para tal é necessário que as habitações tenham condições de acessibilidade que permitam que as pessoas lá vivam mesmo que tenham alguma dependência ou necessitem de cuidados; e, por outro lado, é necessário que os serviços de prestação de cuidados no domicílio também sejam requalificados.
Neste contexto, programas como o “Casa Aberta” da CML, que visa a realização de intervenções de adaptação habitacional são muito importantes e importa que de facto eles se tornem abrangentes e efetivos.
Por fim o eixo da vida apoiada visa a melhoria e ampliação da rede de equipamentos sociais e de saúde, procurando garantir que este tipo de respostas estejam o mais possível integradas em contexto comunitário e permitam uma melhor interconexão entre a vida institucional e a dinâmica das comunidades, envolvendo a rede de suporte social e familiar.
IP: São exemplos práticos da atuação do “Programa Lisboa Cidade de Todas as Idades” o Serviço de Teleassistência domiciliária à população 75+, assim como a todas as pessoas em situação de dependência e/ou incapacidade igual ou superior a 60%, mas também o Projeto Radar. De uma forma muito particular, no contexto da pandemia, o Projeto Radar tem-se revelado uma “tábua de salvação” para muitos seniores em isolamento.
Quer contar-nos um pouco mais sobre este Projeto? Qual o seu objetivo? Como evoluiu no contexto da pandemia?
MRA. O Projeto RADAR surgiu em janeiro de 2019 no âmbito do programa “Lisboa, Cidade de Todas as Idades”, envolvendo 30 entidades com responsabilidade na área da Longevidade e Envelhecimento (SCML; CML; PSP; ARS; ISS; Gebalis; 24 juntas de freguesia da Cidade).
O Projeto tem como principal objetivo proceder ao levantamento e reconhecimento da população 65+ da Cidade de Lisboa, de modo a identificar as suas necessidades, expetativas e oportunidades, procurando dar resposta a essas necessidades através do desenvolvimento de respostas sociais e de saúde integradas e de parcerias sustentadas.
Este Projeto está assente numa Plataforma digital – a Plataforma RADAR – que permite otimizar os processos partilha de informação, comunicação e disponibilização da mesma, entre os 30 parceiros envolvidos no Projeto, de forma a ativar as respostas sociais adequadas às necessidades identificadas e possibilitar uma resposta mais eficaz, célere e efetiva, detetando precocemente situações de risco.
A pandemia por Covid-19 constituiu uma oportunidade para o Projeto Radar evidenciar todo o seu potencial.
Assim, através de uma ação imediata de contactos telefónicos com as pessoas integradas na Plataforma Radar foi possível avaliar rapidamente:
Para esta agilidade muito contribuiu o facto de as juntas de freguesia também se terem mobilizado quer nos contactos telefónicos a estas pessoas, quer no desenvolvimento de respostas úteis às necessidades identificadas.
Durante os primeiros 3 meses do início da pandemia, foram realizadas mais de 80.000 chamadas telefónicas que resultaram não apenas na ativação de recursos de tipo alimentar, apoio na medicação e no fornecimento de serviços ao domicílio, mas também numa ação de descodificação da informação, sensibilização e consciencialização sobre a prevenção da infeção e a forma como as pessoas deveriam agir sem ceder ao pânico.
Atualmente o Projeto RADAR tem evidenciado a sua ação proactiva em eventos inesperados como são os casos das ondas de calor e de frio, em que é possível de uma forma rápida e eficaz chegar às pessoas mais idosas em situação de solidão e isolamento social, e procurar dar resposta às suas necessidades mais prementes.
Aqui os contactos para o Projeto Radar
IP: Em ano de pandemia, a terceira edição do Simpósio InterAções decorre online, ao longo de 16 sessões que se prolongam até ao mês de maio e que adotam o lema “Uma Sociedade para Todas as Idades”. Quais os desafios que se colocam à promoção de uma sociedade para todas as idades?
MRA. Bom, os desafios são muitos, mas eu deter-me-ia aqui em quatro.
Em primeiro lugar, o grande desafio que se coloca à construção de uma sociedade para Todos é o desafio civilizacional de reconhecermos que Todos somos importantes, independentemente da idade, da raça, do credo religioso ou de qualquer outra característica individual que caracteriza a diversidade da humanidade.
Reconhecer que ninguém pode ser descartável, mesmo que sob o ponto de vista puramente material já não tenha utilidade;
Outro dos desafios é o de sabermos ajustarmo-nos à nova realidade sociodemográfica.
Se passamos a viver 100 anos, então não faz sentido a manutenção de mecanismos sociais do século passado, como a reforma compulsiva ou a não adaptação de processos de trabalho flexíveis e mais adaptados à longevidade e envelhecimento;
Também a forma como a sociedade e as comunidades se organizam para que as pessoas possam viver o mais tempo possível em suas casas, constitui um grande desafio.
A casa tem de voltar a assumir o papel de centro do cuidar ao longo da vida, mesmo nas fases de maior dependência, desenvolvendo mecanismos de interação entre a casa e o espaço público;
Por fim, diria que outro dos grandes desafios é o que como conseguiremos manter a dignidade do individuo até ao fim da sua vida. Como poderemos garantir que a pessoa, apesar de totalmente dependente e a necessitar de cuidados conseguirá manter a sua dignidade e ver garantidos os seus direitos de cidadania até ao último segundo da sua existência terrena.
Este é outro dos desafios que não podemos deixar de discutir e procurar todos os esforços para alcança-lo, sem dogmas nem preconceitos, mas salvaguardando sempre a vida humana como um bem precioso.
IP: Numa das primeiras sessões o Professor Alexandre Kalache dizia: “Estamos a viver a revolução da longevidade”. Na sua opinião estamos prontos para esta revolução? Estamos pelo menos a preparar-nos para esta revolução?
MRA. Sim é verdade, estamos a viver uma revolução silenciosa, estendida no tempo, mas já reconhecida e inevitável.
Provavelmente nunca estaremos prontos para uma revolução ou melhor para os seus resultados.
Contudo, dado que esta é uma revolução de longo-prazo, também nos permite dar passos significativos para nos irmos preparando para viver este novo paradigma da longevidade e envelhecimento.
Já foram dados passos muito significativos. Cada vez mais existe uma consciencialização coletiva desta inevitabilidade sociodemográfica, e logo aqui este é um passo importante para que consigamos construir uma visão comum sobre o queremos de uma sociedade para todas as idades.
Depois temos as ferramentas tecnológicas que se estão a evidenciar como muito importantes neste “novo mundo” de todas as idades, permitindo que as pessoas possam continuar a participar ativamente a partir de casa, possam ter uma maior acessibilidade, possam viver melhor o espaço público e possam, realmente, ter uma atitude de aprendizagem ao longo da vida.
E neste sentido, penso que seremos capazes de construir uma sociedade mais equilibrada, deixando de olhar para o envelhecimento como “a decadência”, e vendo a longevidade como uma das maiores conquistas da humanidade com enormes potencialidades.
Portanto, estou confiante que mais uma vez as sociedades vão conseguir lidar com esta revolução avançando civilizacionalmente para a construção de sociedades mais justas e equilibradas.
IP: Hoje desafio não é como viver mais, mas como viver melhor. Concorda?
MRA. Bom, penso que o ideal será sempre viver mais e melhor, com mais qualidade.
Mas de facto, na vida há sempre efeitos adversos da nossa ação. Viver mais tempo é uma grande conquista da humanidade, mas traz consigo outros desafios críticos, como por exemplo aqueles associados às multi-patologias que surgem com envelhecimento que põe em causa a qualidade de vida das pessoas, e, em particular, a sua dignidade.
É neste ponto que, tal como já referi anteriormente, teremos também de desenvolver a ciência médica e do cuidar para garantir a qualidade de vida até ao fim das nossas vidas.
Não podemos deixar de evoluir civilizacionalmente sem encontrar respostas dignas e justas para os efeitos colaterais dessa evolução. Faz parte da vida.
IP: Gostava de finalizar, pedindo-lhe que nos contasse mais sobre o Simpósio InterAções…
MRA. O Simpósio Interações vai na sua 3ª edição, este ano em formato online, todas as 4ª feiras a partir das 14:30.
As sessões abrangem um leque variado de temas na área do envelhecimento.
Contudo, procurar-se um dar relevo especial à componente habitação e espaço público enquanto alavanca do paradigma do envelhecimento na comunidade. Na realidade a grande maioria das casas onde vivemos não têm condições nem foram pensadas para se adaptarem ao longo do nosso ciclo de vida, em particular quando ficamos mais velhos, perdemos autonomia e/ou temos que ficar mais tempo em casa, como ficou também patente com a pandemia Covid-19.
Este simpósio tem para nós muita importância pelo facto de também neste momento estar em curso um amplo debate público União Europeia sobre as alterações demográficas com que nos deparamos, que terá como resultado o Livro Verde para o Envelhecimento. Este simpósio acaba também por ser um contributo para a reflexão e discussão sobre os diversos temas e desafios que se colocam à construção de uma ‘sociedade para todas as idades’.
IP: Fica então o convite para assistirem, nas próximas quartas-feiras às 14:30 a mais um Simpósio InterAções. Se ainda não se inscreveu, pode fazê-lo aqui.