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As sociedades mudaram, a esperança média de vida aumentou e o papel do cuidador ganha cada vez mais relevo. Essa relevância nota-se, sobretudo, na proteção da individualidade da pessoa que está a ser cuidada.
“Ser capaz de prestar atenção a si mesmo é um pré-requisito para ter a capacidade de prestar atenção aos outros; sentir-se confortável consigo mesmo é a condição necessária para se relacionar com os outros”, diz Erich Fromm, psicanalista, filósofo e sociólogo alemão, no livro Ética e Psicanálise. Esta parece ser, mais do que tudo, a real premissa para ser cuidador, sobretudo num contexto que tem sofrido constantes alterações nas últimas décadas. Um contexto significativamente influenciado pelo aumento da esperança média de vida, pela entrada da mulher no mercado de trabalho, pela elevada idade média dos cuidadores e pelo facto de, tendencialmente, as famílias serem cada vez menos numerosas. “Cuidar de alguém tem como objetivo ajudá-lo, se possível, a chegar onde pode e quer, potenciando a sua autonomia pessoal. O cuidador não é um sujeito puramente passivo, pode apresentar o seu ponto de vista sobre esse objetivo, mas não deve nunca impô-lo”, disse ao Impulso+ o psicólogo Daniel Marinho, sustentado que tem de existir, sobretudo, “um respeito escrupuloso pela autonomia do outro”.
O respeito pelo contexto
Cuidar dos outros significa, ainda, velar pela sua circunstância vital. “A circunstância não é um elemento acidental na configuração da pessoa, mas um fator determinante para entender por que razão ela age como age. A circunstância, neste caso, refere-se ao conjunto de fatores biopsicossociais e económicos que influenciam o processo de realização da pessoa”, considera o profissional.
Ou seja, a pessoa doente ou incapacitada localiza-se num contexto material que possui certas características e que, dependendo de quais forem, têm de tal forma influência que podem ser decisivas na já precária autonomia da pessoa dependente. “Não é possível cuidar do outro se não mergulharmos na sua circunstância e compreendermos as ‘chaves’ da sua situação e contexto”.
Já para João António Tomé, mestre em Psicogerontologia, “cuidar de alguém significa tentar responder às suas necessidades essenciais, significa também, e sobretudo, proporcionar, ou melhor, ajudar a encontrar as ferramentas necessárias (internas e externas) para que ele mesmo possa responder a essas mesmas necessidades sem precisar de um cuidador. No final, trata-se de procurar autonomia para resolver as necessidades de quem cuidamos”.
Parceiros do “sistema”
Os cuidadores, nomeadamente os informais, são hoje parceiros dos profissionais de saúde no cuidar, sendo que alguns estudos assumem que estes prestam cerca de 80% dos cuidados, para além de colmatarem as falhas do sistema de saúde, evitando a sobrecarga dos serviços, fazendo com que a pessoa permaneça o máximo de tempo possível no seu ambiente. “São maioritariamente familiares e prestam cuidados cada vez mais complexos”, afirma João António Tomé.
Ser cuidador é…
Quais são as principais características que um cuidador deve ter? Primeiro, serem dotados da capacidade de atenção, de ouvir, diz Daniel Marinho. Depois, a competência profissional para resolver essas necessidades. “Ambas podem falhar. Somente aquele que é recetivo ao outro pode decifrar, através da expressão verbal e gestual do paciente, o que ele precisa. Mas apenas o sujeito competente pode resolver as necessidades que o outro sente”.
Assim, ambas as características devem ocorrer no cuidador, uma vez que pode haver competência técnica, mas não há competência ética ou relacional e vice-versa. “Cuidar de alguém é cuidar de um sujeito com direitos, de um ser singular na história, que tem identidade e personalidade próprias, forjadas ao longo da sua própria evolução e que o cuidador deve, na medida do possível, saber respeitar e promover. O doente é um sujeito de direito, um ser dotado de uma dignidade intrínseca. Por causa da sua patologia, sofre uma redução nas suas capacidades e possibilidades de expressão, movimento e comunicação. Mas, mesmo assim, é uma pessoa e, como tal, sua dignidade é intocável”, explorou o psicólogo. “Cuidar de outro ser é vigiar a sua identidade. Quando cuidar é uma maneira de suprir o outro ou colonizar a sua identidade, não pode ser chamado de ‘cuidado’, porque nega o ser do outro, e isso contradiz a própria essência do cuidado”.
Assim, no atual contexto social, Daniel Marinho não tem qualquer dúvida que o papel do cuidador é cada vez mais importante, atribuindo à “sociedade” a responsabilidade de dotar esta “figura” com cada vez mais e melhores ferramentas que o ajudem a realizar a sua tarefa. A figura do cuidador tem, portanto, de acordo com os especialistas, uma importância crescente para a nossa sociedade.
Perguntas e Respostas
Qualquer um pode tornar-se cuidador/a?
Até mesmo uma criança ou jovem que cuida de um familiar (pai, mãe, irmão, tio...) com dependência. Poderá tratar-se de uma situação de evolução lenta que permite a adaptação a uma nova realidade familiar, ou pode ser repentina, criando um quadro mais complexo no que respeita a adaptação dos membros da família e à obtenção de respostas de apoio em tempo útil.
Pode acontecer mais do que uma vez na vida?
Muitos assumem o papel de cuidadores em diferentes fases da sua vida. Por exemplo, uma cuidadora que na casa dos 40 anos cuida do seu pai com demência, retomando esse papel décadas mais tarde, acompanhando o marido com incapacidade devido a um AVC.
Podemos cuidar de mais do que uma pessoa, em simultâneo?
Considerados como "cuidadores-sanduíche", atualmente muitos cuidadores têm a seu cargo ascendentes e dependentes com incapacidade, tornando o dia-a-dia num autêntico desafio.
Acontece também a muitos cuidadores serem o único suporte para mais do que uma pessoa com dependência. E em alguns casos, estes cuidadores são ainda capazes, num esforço quase sobre-humano, de conciliar com a sua própria família e trabalho.