Blue Zones: os super seniores da Sardenha | Dar vida aos anos

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Blue Zones: os super seniores da Sardenha

15/12/2021 | Sílvia Triboni

Testemunhos dos habitantes da Sardenha Fonte: Silvia Triboni Testemunhos dos habitantes da Sardenha Fonte: Silvia Triboni

Se tem algo que curto muito em minhas viagens e explorações são as lembranças que me fazem sentir novamente as emoções de ver uma nova paisagem, ou aquelas que aquecem o meu coração ao me lembrar das pessoas que conheci. É exatamente assim que me sinto agora em que escrevo sobre a maior riqueza da Blue Zone – Sardenha que visitei, ao recodar-me dos super seniors sardos.

É provável que saibas da Missão Centenarian que criei com o objetivo de conhecer, de perto, todas as cinco Blue Zones, tendo iniciado pela bela ilha italiana, a Sardenha. Pode ter lido também o meu artigo sobre a entrevista que fiz com o Professor Gianni Pes, cofundador das Blue Zones, em que ele narra novos fatos sobre as famosas regiões dos supercentenários. Se não saiba do que trato aqui, sugiro a leitura deste material para melhor degustar os relatos que farei sobre as pessoas que lá conheci.

Aprender italiano – conversar na mesma língua é fundamental

Ciente do fato de que o povo italiano, no geral, não se preocupa em aprender a língua inglesa, inclui na minha Missão Centenarian a aprendizagem da lingua, com um curso da língua italiana, em Roma, para melhor estar preparada para uma conversação com as pessoas mais velhas da Sardenha.

Preocupei-me em reduzir qualquer barreira que me impedisse de me aproximar das pessoas, uma vez que viajei sozinha, sem contar com o intermédio de profissionais da ilha que poderiam me apresentar aos seus “conhecidos idosos”.

Munida da minha paixão por conhecer gente e conversar, e desinibida para soltar o italiano recém-aprendido, senti-me preparada para me aproximar e conhecer os incríveis sardos.

Conversar em italiano com os super-seniores foi fundamental para ter a receptividade que pretendia. Todas as pessoas idosas que conheci foram muito simpáticas, comunicativas e até carinhosas comigo. E olhe que há quem diga que os sardos idosos não gostam dos estrangeiros. Não foi isso que vi por lá.

Fiorella, de Lanusei – 95 anos – a professora que dançou comigo

Conheci a senhora Fiorella enquanto caminhava pelas ruas de Lanusei na província de Ogliastra, no leste da Sardenha. Esta província está na parte montanhosa da ilha da Sardenha e possui duas capitais Tortoli e Lanusei, as duas maiores comunas da região.

Fiorella estava sentada em uma cadeira na calçada de sua casa ao lado de sua acompanhante chamada Maria.

Nascida naquela comuna, Zia (tia) Fiorella chamou-me a atenção pois de longe eu via como ela buscava conversar com as pessoas que por ela passavam.

Eu usava uma máscara de proteção. Elas não.

Parei em frente das duas como que para pedir uma informação e ela logo pegou a minha mão e me perguntou se eu estava a passear por lá. Maria tentou conter Zia Fiorella mas não teve tempo, pois já estávamos de mãos dadas e eu já iniciara a nossa conversa (em italiano).

Fiorella é uma mulher forte, lúcida e sorridente, além de destemida pois não hesitou em conversar com uma pessoa estranha. Perguntou de onde eu era e o que eu fazia ali. Ao responder que era cidadã italiana nascida no Brasil e residente em Lisboa, ela logo abriu outro sorriso. Em todos os meus contatos esta apresentação sempre provocava esta feliz reação nas pessoas italianas e isso me deixava muito feliz. Disse à Fiorella que estava na Itália para conhecer mais a terra de meus ancestrais, e que na Sardenha queria conhecer especialmente pessoas belas como ela. Toda orgulhosa, levantou-se da cadeira rapidamente e aproximou-se de mim como para um abraço. Mas não era só isso. Fiorella começou a cantar e a dançar comigo. Novamente Maria tentou conter a Zia mas em vão. Eu também colaborava pois correspondia a todos os sorrisos e contatos.

Para que o bailado não se prolongasse, perguntei à minha nova amiga o que ela gostava de fazer em Lanusei, ao que prontamente sua acompanhante/cuidadora respondeu: Fiorella é uma professora reformada. Iniciamos então, mais uma conversa animada.

Falou bastante sobre a sua experiência como professora. Eu disse-lhe que continuava a ser professora pois estava ali ensinar-me muito. Inclusive a conversar em italiano. Elogiou-me e pediu-me que eu tirasse a máscara para que visse o meu rosto e eu a atendi. “Tu sei bella”, disse-me.

Simpática, ágil, comunicativa e sorridente, Fiorella é a personificação legítima de uma habitante da Blue Zone Sardenha próxima dos 100 anos.

O vigor de sua postura, a fluência da conversa e a vontade de me conhecer demonstrou a fortaleza de sua saúde do alto dos seus 100 anos.

Depois dessa gostosa conversa agradeci as duas e continuei o meu passeio em Lanusei.

Anna, de Alghero – uma menina de 70 anos

Alghero é uma cidade na costa noroeste da Sardenha e pertence à província de Sassari. Rodeada por muralhas antigas, parte da sua população é originária de conquistadores catalães do fim da idade média, na época em que a Sardenha era parte da Coroa de Aragão.

Proprietária do Bed & Breakfast La Posidonia Oceanica, em Alghero, Anna é extremamente ativa, meticulosa e gerencia a sua acomodação praticamente sozinha.

Hospedei-me no seu Bed & Breakfast e pude constatar diariamente a razão do seu negócio ser tão bem avaliado na plataforma Booking.com. Falava inglês, francês e o espanhol fluente, outra qualidade destacada no seu trabalho. Esta habilidade em línguas estrangeiras não é algo usual entre os italianos, segundo o que eu já havia percebido.

Anna é uma mulher alta e magra, de cabelos curtos ondulados e brancos. Sempre trajava roupas desportivas e modernas.

Certa tarde encontramo-nos em direção à praia Le Bombarde, e para lá fomos relaxar. 

Nadadora habitual, Anna ostentava o seu bronzeado enquanto nadava naquele belo mar Mediterrâneo. Após a praia, Anna mostrou-me mais paisagens e locais belíssimos da região como a Capo Caccia, e seu Parque Natural de Porto Conte. Foi no alto daquele maciço rochoso que precisamos escalar algumas pedras para melhor olhar a paisagem. Precisei apoiar-me com mãos para ir acima. Anna, atlética, subiu aquelas rochas com uma rapidez surpreendente, sem se apoiar nas pedras, a demonstrar o quanto era forte. Fiquei surpresa com a jovialidade e dinamismo desta mulher sarda.

De fato, não faz sentido pensar que alguém de 70 anos possa ser uma pessoa idosa frágil. Na Sardenha é o contrário. As pessoas nascidas naquela ilha estão destinadas a viverem muitos e muitos anos e em plena saúde e com muita beleza.

 

Maria Luiza, de Cagliari – 88 anos e com as mãos no volante

Maria Luiza é uma professora de história de 90 anos. Eu saía do prédio onde estava hospedada em Cagliari quando a vi descer pelas escadas atrás de mim.

Aguardei na porta de entrada do edifício para dar-lhe passagem. Ela agradeceu-me muito e se desculpou por estar sem a máscara. Claro que não me importei até porque já íamos para fora do prédio.

Ali ficamos a conversar por uns 30 minutos. Maria Luiza perguntou se eu morava ali e respondi que estava hospedada naquele prédio. Ela logo me perguntou de onde eu era e, novamente, recebi uma grande sorriso quando contei minha origem ítalo-brasileira.

Falando em italiano, a nossa conversa fluiu. Quando disse a ela que estava na Sardenha para pesquisar a longevidade das pessoas sardas, e as áreas famosas pelo bom envelhecimento, imediatamente contou-me que como professora de história lecionava sobre arqueologia e sobre a história milenar desta Ilha e sobre o seu povo longevo.

Maria Luiza é uma senhora forte, pele ótima e de cabeça erguida. Disse-me que ia comprar o jornal para ficar atualizada. Não abre mão de fazer isso, e para minha surpresa, ela dirigia-se ao estacionamento para ir buscar o carro.

Pedi uma foto com a qual concordou com a condição que eu dissesse aos meus amigos que ela também era minha nova amiga.

MINA, de Cagliari – elegância sempre

Conheci Mina num dia chuvoso na paragem de autocarro de Cagliari, a capital da Sardenha.

Ali eu aguardava um transporte que demorou cerca de 30 minutos para chegar, Eis que uma senhora elegante e modernamente vestida atravessou a rua em frente ao local onde eu estava e sentou-se ao meu lado.

Notei que ela devia ter 80 anos, ou mais, apesar das suas roupas joviais. Usava botas de salto alto, colares, brincos dourados e óculos escuros. Os seus cabelos eram curtos e com uma mecha branca que chamava muito a atenção.

Mina sentou-se e já logo começou uma prosa comigo, como uma boa e legítima italiana.

Percebeu que eu era estrangeira e perguntou de onde eu era. Era a deixa para eu conseguir aquele esperado sorriso, e comentários elogiosos ora sobre Portugal, ora sobre o Brasil e de suas belezas. Elogiei a beleza de Mina e a sua elegância. Mina contou que ali morava e que apesar de ficar muito tempo em sua casa, gostava de apanhar o autocarro e de passear pela cidade.

Disse que morava sozinha numa casa grande, e que era muito feliz. Conversamos cerca de meia hora até que o autocarro chegasse. Ao pedir-lhe que tirássemos uma fotografia juntas, Mina logo concordou e pediu-me que eu contasse aos meus amigos que ela era a “Minha amiga Mina”.

Dorotéia, de Alghero – 85 anos. Alimenta os gatos da cidade há 20 anos.

Enquanto estive em Alghero vi todos os tramontos (pôr-do-sol, em italiano) do alto de suas muralhas. O espetáculo era belíssimo.

Numa das minhas caminhadas vi uma senhora que colocava vários pratos de papelão no chão, com uma pedra apoiada para que não voassem. Curiosa, enquanto tentava entender o ela preparava, vi a chegada de inúmeros gatos. Um casal de turistas que por ali passava também parou para ver.

Após aquela senhora colocar os 10 pratos com os seus respectivos pesos, passou a despejar uma comidinha em cada um deles. Ela havia organizado o jantar daquela gataria, e em alto estilo. Era um prato de comida para cada convidado. Ela se chamava Dorotéia.

Ela não se importou com os turistas que ali paravam para ver. E, antes mesmo que começássemos a conversar com ela, a senhora contou-nos que alimentava 30 gatos todos os dias. Eram 10 naquele local e outros bichanos em lugares mais distantes a exigirem-lhe muita caminhada.

Dorotéia de 85 anos contou que há 20 anos alimenta esses gatos, e ainda fez questão de explicar o que um gato pode ou não comer para que não tenha problema intestinal.

Pessoa benemerente no mundo dos felinos e conhecida da cidade, Dorotéia contou-nos a sua história, a sua idade, até que uma jovem chegou com um saco de ração para gatos. Perguntou se ela a aceitava uma vez que os seus próprios gatos não estavam se dando bem com aquela comida. Ela também aceitou a oferta imediatamente.

Dorotéia muito simpática e feliz por aquela atividade de alimentar os gatos, aceitou fazer uma foto comigo. Pediu que eu contasse aos meus amigos sobre a sua vida e a forma de ser feliz e ativa.

Dorotéia era mais uma senhora sarda a nos incentivar a vida ativa, comunicativa, solidária e com muita alegria.

 

Sardenha – terra onde a força e a beleza das pessoas duram para sempre

Fiorella, Maria Luiza, Anna, Mina e Dorotéia fizeram com que eu visse com os meus próprios olhos e sentisse com o meu coração como é o envelhecimento na Sardenha. Ele é lento, indolor e inerte no espírito das pessoas que querem aproveitar a vida.

Todas essas mulheres marcaram a minha viagem à Blue Zone – Sardenha em forma de exemplos de protagonismo sênior, dinamismo, inteligência, e, acima de tudo, muita simpatia pela minha presença.

Minha gratidão a todas elas.