Empreendedores depois dos 45 | Rendimento

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Empreendedores depois dos 45

29/11/2018 |

António Mendes websummit António Mendes websummit

Não há idade limite para começar e apostar nos nossos sonhos, mesmo numa área tão exigente como a tecnologia, onde o ritmo como as coisas acontecem é sem dúvida desafiante.

Fomos conhecer três exemplos de empreendedores que construíram negócios em áreas tecnológicas, pondo em causa a visão corrente de que as startups são para jovens. Têm a mesma energia e a vontade de fazer como a de qualquer jovem, cheios de ideias e soluções para resolver problemas comuns do dia-a-dia ou outros mais complexos.

Aurora Baptista, da BEEVERYCREATIVE – a impressora 3D portuguesa; António Mendes, da Spindots – a rede social de descontos; e José Paiva, da Landing Jobs – o linkedin dos empregos de tecnologia. São empreendedores com caraterísticas próprias e que abraçaram o sonho de construir os seus próprios negócios, depois de experiências de vida marcantes. 

Aurora Baptista: O drive são as pessoas e… o fazer acontecer!

O enorme gosto pela indústria veio da necessidade que tinha de acompanhar o seu pai, motorista de camião, uma vez que a sua mãe, por doença do irmão, se via obrigada a passar grandes temporadas no hospital. Isso permitiu-lhe conhecer muito da realidade das empresas e dos processos produtivos, revelando-se fundamental ao longo da sua vida. Durante o ano sabático (antigo propedêutico), enquanto a maioria das pessoas nada fazia, foi para a IBM aprender cobol, basic, fortran… Formou-se em gestão no ISCTE, ingressando a seguir, em 1983, na Arthur Andersen na área de auditoria, de onde passou para outras áreas, como a consultoria fiscal e de negócios. Chegou a fazer otimização de linhas de produção, uma área que tinha muito que ver consigo. Fez reorganizações de empresas por conta própria e montou todo o back-office da McKinsey em Portugal num período de forte crescimento. Mais tarde, foi dar corpo a uma empresa de serviços de outsourcing ainda dentro da Arthur Andersen, onde chegou a sócia. Quando a empresa desapareceu do meio empresarial mundial, nunca tiveram problemas em integrar outros projetos, pois o valor da Artur Andersen era na verdade o know-how dos seus colaboradores e esse era muito reconhecido no mercado. E assim, tornou-se partner da Deloitte, onde trabalhou num grande projeto na área da saúde, que não chegou a avançar, pois o mercado, apesar do evidente benefício, não estava preparado para a sua implementação.

O início da vida de empreendedora

Ainda na Deloitte, já tinha negócios seus mas não conseguia ter tempo para os acompanhar. Foi a altura certa para se dedicar aos projetos próprios. Teve uma pequena empresa de construção e, com muito mais significado, estava a construir um hotel em Avis, junto à barragem do Maranhão, numa herdade de 40 hectares. Assim, passou o ano seguinte a descansar e a implementar as operações do projeto, formando a equipa e trabalhando em alguns projetos adicionais na área social.

“Na minha vida de consultora ganhei sempre muito e não sou uma pessoa gastadora, fruto da minha educação. O dinheiro é um meio. É um recurso para fazer coisas. Comecei a querer ser uma angel, sem me preocupar a registar-me como tal. Comecei a ver coisas muito giras e interessantes que faziam todo o sentido.”

No mundo das startups, para além da BEEVERYCREATIVE, a empresa que desenvolveu a primeira impressora 3D comercial portuguesa e que acaba de ganhar um primeiro prémio internacional com o projeto relativo à criação de uma impressora 3D para a ESA, tem outra empresa, uma rede social de produtos. Esta plataforma liga produtos uns aos outros, a jusante e a montante, numa lógica integrada de dar resposta a tudo o que é preciso para o produto.

O seu drive são sempre pessoas, que têm ideias e que as podem transformar numa realidade. O fazer acontecer! E no meio disto tudo, afirma que ainda não começou a construir a sua ideia de negócio, embora tenha muitas, algumas delas ligadas à área social.

 

António Mendes: As oportunidades estão aí, é só estarmos atentos!

Tinha o sonho de ser piloto da Força Aérea, mas por um problema de gaguez não foi aceite. Aos 18 anos tira um curso na Regisconta e começa a trabalhar como consultor informático, só concluindo o 12º ano aos 53 anos. Não ter formação superior jamais o impediu de evoluir. “Costumo dizer que a dor sempre me acompanhou: fui programador, vendedor, formador, administrador e empreendedor. Tenho uma experiência profissional de 38 anos a acompanhar o rasto da tecnologia que nunca para.” Gosta de dar o máximo e valoriza a ética acima de tudo, o que o faz procurar trabalhar com empresas de confiança e isso tem dado bons resultados. 

Sempre foi um empreendedor, tendo tido vários negócios. “Há 18 anos chamavam-se dot.coms agora são as startups. Os nomes é que mudam.” As empresas que criou acabou por vendê-las, por oportunidades ou necessidade de seguir outro caminho.

Diz ser meio germânico, meio latino, o que lhe dá um lado pragmático que o ajuda nos negócios, a capacidade de estar sempre atento e o saber desenrascar… A Spindots nasce de uma ideia que não se pode materializar por questões fiscais e que evoluiu para o que hoje é a empresa. Numa noite de copos, quatro amigos decidem criar uma plataforma para rebater descontos e cujo objetivo último é fomentar a visita a lojas. Todos os empreendedores têm mais de 54 anos, ao que António chama com graça, uma oldup e não uma startup. “Às vezes é assim que surgem as oportunidades. Temos de estar atentos, visíveis e no raio de ação.”

Ser a solução e não o problema

“No meu caso, em 2013, depois de ser contratado três vezes para a mesma empresa, voltei a ficar desempregado e entrei em modo sabático.” “Decidi ser a solução, pois sabia que tinha um forte know-how que seria uma pena desperdiçar. Se ficarmos parados à espera que a ideia venha ter connosco… nada acontece.”

Os problemas do dia-a-dia podem dar origem a uma ideia que pode gerar um negócio. Há um ecossistema criado para quem tem ideias. António participou no programa Acreditar do Montepio e refere que há muitas coisas a acontecer. “O momento existe. Aproveitem os momentos, os eventos, as ideias, os contactos… Os mais novos gostam de ouvir os mais velhos desde que tenham coisas úteis a dizer. Pode ser uma oportunidade. Se queremos estar ativos, temos de gerar e explorar as soluções.”

Deixa-nos ainda conselhos: estejam atentos. Percebam o ecossistema. Falem com pessoas. Vejam os problemas do dia-a-dia. Os bons negócios são bons porque resolvem problemas das empresas e das pessoas.  Existe uma série de eventos e programas. Cita alguns, como o Meet up, Toastmasters (aprender a falar em público), incubadoras de startups, o programa Acredita Portugal (montar um projeto a partir de uma ideia). Não desesperem. Ter um certo positivismo e estar aberto é muito importante. Os investidores compram a equipa e não só a ideia. “Nós, mais velhos, temos a experiência que é valorizada. Precisamos é de nos saber apresentar.”

As oportunidades estão aí, é só estarmos atentos!

José Paiva: Nunca dar nada por adquirido.

É o responsável pela Landing Jobs, uma plataforma de contratação de pessoas na área tecnológica. Passou grande parte da sua vida em processos de contratação e quando o faz pede sempre às pessoas para falarem das suas vidas, pois acredita que muito do que são é logo definido nos primeiros anos. Mas normalmente as pessoas focam-se nos últimos anos…  

A vida nem sempre foi fácil para este empreendedor. Retornado de Angola, onde nasceu em 1967, passa rapidamente, como refere, de “menino rico a menino pobre”. Quando chega a Portugal, vai viver para a pequena localidade de Vila Maior, em São Pedro do Sul, depois de sete anos em Luanda, uma grande metrópole na altura. O pai, também ele um empreendedor, recomeça a vida aos 45 anos criando um negócio de animais, que mais tarde fecha por causa da peste suína, obrigando-o mais uma vez a recomeçar, desta vez já em Lisboa, criando uma empresa de táxis, o mesmo negócio que tinha em Angola. Desta fase, retira a sua primeira lição de vida: “Nunca dar nada por adquirido.”

Sempre foi bom aluno, com forte aptidão para matemática, daí a opção pelo curso de Matemáticas Aplicadas na área de computação. Refere no entanto que a maior aprendizagem veio da necessidade de trabalhar ao mesmo tempo que tirava o curso, como taxista na empresa do pai. “A verdadeira aprendizagem veio das horas que passava no táxi a falar com as pessoas. Saber ouvir, perceber que têm interesses distintos e que querem percursos que conhecem… pois é mais confortável. Coisas tão simples ensinaram-nos bons princípios de gestão de pessoas”, que lhe marcaram a carreira e a vida.

No fim do curso, apesar de outras hipóteses, e para agradar ao pai, que muito respeitava, optou pelo seguro e foi para o Banco de Portugal, onde apenas esteve seis meses. A este nível diz com algum conhecimento de causa e para quem tem de escolher: “Nunca ouçam os vossos pais, pois eles não sabem nada da realidade atual.” Segue-se o INESC e depois a Novabase, onde fica até 2013, aproveitando todos os desafios, iniciativas e novos projetos que iam surgindo, levando inclusive a mais uma experiência fora de Portugal – no Brasil.

Cresceu muito rápido, fruto do tsunami da área da tecnologia. “Costumo dizer que é sempre melhor escolher um mercado em fase de crescimento, mesmo sendo um profissional médio, do que ser o melhor numa área estagnada.”

Quando saiu da Novabase, tinha já ideias para criar um negócio, mas hesitou em avançar e acabou por aceitar a proposta de um antigo empregador, acabando por ser novamente contratado para trabalhar para um terceiro, mas a cabeça estava em criar o seu negócio, por isso ao fim de seis meses, despediu-se para se dedicar à sua startup.

Em junho de 2014, com 46 anos, decide levar a sua ideia para a frente. Em setembro inicia a apresentação das candidaturas e em novembro recebe o primeiro financiamento de 750 mil euros para a sua empresa atual – a Landing Jobs.

 “O grande desafio na constituição do negócio é claramente a criação de equipa. Ainda há pouca gente em Portugal a arriscar trabalhar em startups, apesar desta dificuldade, como já somos bastante conhecidos, conseguimos ter muitas candidaturas, o problema tem sido segurar a nossa equipa, pois os nossos clientes vêm constantemente “roubar-nos” as pessoas. A maior parte sai para marcas com maior reconhecimento no mercado, apesar de darmos condições semelhantes nos salários e de duplicarmos o nosso crescimento todos os anos.”

Mais uma vez a família acaba por ter grande influência nesta decisão de mudança, pois vão aconselhar a mudar-se para uma empresa que tem maior marca no mercado.

Deixa alguns conselhos a quem quer ser empreendedor:

Ter grande capacidade de resiliência, ter um sócio para dividir o peso e a responsabilidade. Acreditar no projeto e na ideia. “Nas fases boas toda a gente dá palmadinhas nas costas e quando corre mal… ficamos muito sozinhos. Por isso é importante ter um sócio. Alguém com quem dividir.” Pedro Oliveira é o seu sócio, um jovem que lhe foi apresentado por um amigo comum. “É importante numa área nova ter pessoas com um mindset diferente e adaptado à nova realidade.” 

Deixa ainda mais dois conselhos: cuidado com a gestão de tesouraria face à exigência de capital, pelo rápido crescimento que estas empresas normalmente enfrentam, e tenham sempre uma estratégia de saída. Estejam preparados para vender o negócio e percebam se e quando a “empresa se aguenta sozinha”.

A Landing Jobs está atualmente avaliada entre 5 a 7 milhões. “É uma empresa saudável que cresce todos os anos.” Com cerca de trinta pessoas, oito delas estrangeiras e com uma idade média de 25 anos.

E para quem nunca pensou ser empreendedor

Se nunca pensou ser empreendedor, faça o seu self assessement. Perceba os seus pontos fortes. “A necessidade muitas vezes aguça o engenho e leva-nos a fazer coisas que nunca pensámos que seríamos capazes.” Percebam em que é que são bons a todos os níveis. “Quando se escolhe uma carreira as pessoas devem fazê-lo numa lógica racional e não emotiva.” Escreveu um livro a propósito desse tema: Your Fit – the model for landing your next job, com um modelo muito simples e prático para nos ajudar a saber como fazer.

Com um objetivo de se reformar aos 55 anos, para se dedicar à gestão social na relação geracional e escrever mais livros de ajuda no desenvolvimento das carreiras, deixa mais este conselho: “A nossa sociedade está cheia de dificuldades em lidar com este mundo novo. Vamos ter de estar sempre a aprender para incorporar todas as novidades que estão a surgir.”