Imaginar o futuro – reforma vs. trabalho | Rendimento

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Imaginar o futuro – reforma vs. trabalho

12/06/2019 | Mariana Branquinho da Fonseca - Senior Client Partner - Korn Ferry

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Até pessoas que entram nos 40 começam a ter preocupações quanto à sua idade e empregabilidade. Muitas vezes veem no facto de entrar nessa faixa etária o momento para tomar decisões quanto à sua carreira profissional. Esta ideia de que à medida que as pessoas vão envelhecendo a sua empregabilidade vai diminuindo é sem dúvida um tema relevante e causador de muitas preocupações e ansiedades.

Independentemente da idade que se tem, defendo que cada um de nós deve fazer uma gestão proativa da sua carreira. Uma reflexão estruturada sobre o que pretende alcançar, seja no curto, médio ou mais longo prazo. Ser capaz de definir “onde quero estar”, partindo de onde estou, o que preciso fazer para conseguir (que conhecimentos e/ou experiências preciso de ter, quem preciso de conhecer), em que medida a empresa onde estou me pode ajudar nesse percurso – enfim, a resposta a questões como estas permitem-nos estar mais bem preparados para enfrentar um futuro que é cada vez mais incerto. Saber para onde vamos implica a definição de um plano para lá chegarmos, e quanto melhor planearmos a nossa carreira, maior a probabilidade de nos sentirmos realizados profissionalmente.

Este planeamento e preparação são dinâmicos e devem ser ajustados à medida que se evolui profissionalmente, mas tornam-se ainda mais importantes enquanto vamos envelhecendo porque as alternativas que se podem encontrar no mercado de trabalho são menores e algumas delas carecem de preparação para se poderem concretizar. Por outro lado, o ritmo intenso de trabalho que hoje existe, aliado às longas horas que a vida profissional consome, e por vezes alguma obsessão pelo trabalho fazem que muitas pessoas tenham medo do vazio que a reforma ou o desacelerar possam causar.

Há uns anos, quando os executivos se reformavam, iam pura e simplesmente para casa e dedicavam-se à família ou a eventuais passatempos que pudessem ter, ou então, no caso dos executivos seniores, davam início a uma carreira de administradores não executivos/consultores. 

Hoje, a verdade é que o leque de opções é mais alargado, mas ainda assim a sua concretização não é linear. O mercado evoluiu, tornou-se um pouco mais flexível e recetivo a profissionais com experiências diversas. As saídas mais comuns que hoje vejo, para além das que mencionei acima e que continuam válidas, são:

  • Consultor e/ou gestor interino, apoiando projetos empresariais e contribuindo com a experiência profissional que tem para reforçar as equipas de gestão de empresas “carenciadas”. Estas podem estar à procura de experiências específicas, por exemplo, internacionalizar um negócio, conduzir uma reestruturação financeira, fazer uma análise de novas oportunidades, lançar uma nova área… A oportunidade de terem alguém experiente, que já tenha passado pela mesma situação e que está disponível para ajudar, é extremamente valiosa;
  • Advisor, coach e/ou mentor de executivos é também outra das opções. Trata-se, mais uma vez, de colocar a sua experiência de vida à disposição de pessoas juniores, que por vezes beneficiam de ter alguém independente e sénior com quem possam trocar ideias, pedir conselhos, entre outras necessidades;
  • Outros executivos acabam por seguir uma veia mais empreendedora, seja como business angels (entrando no capital de empresas que estejam em fase de arranque, crescimento, remodelação) ou começando os próprios negócios indo atrás de oportunidades que identificaram e que, tendo agora mais tempo, podem dedicar-se ao respetivo desenvolvimento;
  • Na linha do ponto anterior, algumas pessoas dedicam-se a negócios e/ou à gestão de património familiar com o objetivo de “organizar” e ao mesmo tempo tirar algum rendimento do mesmo;
  • Outra das opções que tenho observado é o regresso à vida académica, passando a lecionar, sobretudo ao nível universitário (licenciaturas, mestrados e formações para executivos);
  • Ligação a projetos de carácter social, em regime de voluntariado, é outra das atividades que têm tido um crescimento acentuado nos últimos anos, não só pela quantidade destas iniciativas que vão surgindo, como pela necessidade que têm de recursos qualificados para os desenvolver;

Apesar de existirem mais alternativas, a verdade é que a idade da reforma, ou a desaceleração, tem vindo a acontecer cada vez mais tarde. As razões podem ser variadas, desde o facto de a idade da reforma ter vindo a aumentar (em Portugal entre 2013 e 2018 passámos dos 63 anos para os 66 anos e 4 meses), de vivermos cada vez mais (e melhor), à necessidade de assegurarmos a sustentabilidade financeira, ou até pelo medo de ficarmos sem nada a que possamos dedicar-nos.

O que fazer ou como encarar este período de transição é no final uma opção de cada um de nós. Depende em grande medida dos interesses e motivações individuais – qual a ocupação que me vai manter “vivo” e continuar a dar energia. Cada pessoa deve ter a capacidade de determinar o que pretende fazer e ter coragem e energia para conseguir concretizar o seu plano.

Não podemos no entanto esquecer o papel que as empresas podem ter neste processo, nomeadamente preparando os executivos e a própria organização para esta fase de transição. Preparar os executivos no sentido de lhes proporcionar uma saída digna, com o reconhecimento do valor que acrescentaram à organização nos anos de colaboração. Observamos diferentes práticas no mercado, desde envolver estes elementos no desenvolvimento do talento mais jovem, seja com programas de mentoring/coaching, planos de passagem do conhecimento – envolvendo-os nas atividades de formação/universidades corporativas, liderança de projetos relevantes na organização, entre outros.

Do lado da organização há que garantir que o conhecimento e a experiência dos executivos fica de alguma forma residente na empresa, o que em grande medida passa por colocar pessoas de gerações diferentes a trabalharem de forma eficaz em equipa. Esta temática tem vindo a ser estudada por várias entidades e a sua aplicação testada em empresas por todo o mundo em diferentes modelos.

Qualquer que seja o modelo ou a solução que se aplique, a verdade é que precisamos de tornar o nosso mercado de trabalho mais flexível, mais inclusivo e mais capaz de aceitar as diferenças (de idade, e não só), vendo-as como uma mais-valia e um fator de geração de valor.