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O que sabem os portugueses sobre os seus direitos e deveres? O que conhecem das suas fontes, dos instrumentos jurídicos que têm ao seu dispor, das estruturas que existem para os representar? Na verdade, muito pouco.
Portugal apresenta um elevado índice de iliteracia jurídica, apesar do atrevimento com que se fazem comentários nas redes sociais e nos meios de comunicação. Não sabemos como se compõe um tribunal, desconhecemos a diferença entre um magistrado judicial e um magistrado do ministério público e nunca abrimos o Código Penal. Mas não nos coibimos de opinar sobre a medida da pena de um qualquer caso mediático. Nunca lemos com atenção o Código Civil e muito menos a Convenção dos Direitos do Homem e da Biomedicina, mas afirmamos, com convicção, que os filhos são obrigados a ir buscar os pais aos hospitais quando estes têm alta. Podia dar muitos e variados exemplos que demonstram que muitos dos nossos concidadãos, alguns com responsabilidades relevantes, agem e manifestam opinião sem nenhuma base legal.
É certo que o nosso sistema de ensino não tem sabido assegurar uma formação para a cidadania que inclua a sensibilização para o conhecimento e interpretação da norma jurídica e que a Constituição da República Portuguesa e a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia não são devidamente abordadas ao longo de todos os anos de escolaridade.
Devemos, igualmente, admitir que o direito não é acessível a todos e que a linguagem utilizada nos diplomas legais tende a ser hermética e de difícil entendimento.
Estas atenuantes, porém, não podem desresponsabilizar os portugueses, que deveriam estar mais atentos a estes aspetos, ser mais curiosos por aprender e mais assertivos e informados na forma como se comportam em sociedade.
O desconhecimento da lei é perigoso, principalmente para aqueles que se encontram em situação de maior vulnerabilidade e que se encontram ainda mais longe da informação pertinente sobre os seus direitos e deveres.
É importante sublinhar que depois dos 50 anos, as nossas prerrogativas e as nossas obrigações não mudam. Atingimos a plenitude da nossa capacidade jurídica aos 18 anos e ela só pode ser reduzida por sentença judicial.
Mas não podemos escamotear o que na realidade acontece às pessoas dos escalões etários mais avançados e àqueles que enfrentam situações de dependência e demência, a redução da possibilidade de manterem a sua autonomia, de decidirem sobre a sua vida e sobre o seu património, de delinearem um projeto para a última etapa da sua existência.
Mudança de atitude aos 50+
Por isso, ao falarmos de Cidadania 50+, falamos, sobretudo, de uma mudança de atitude, que implique a tomada antecipada de decisões que garantam que, até ao fim, vai ser a nossa vontade a impor-se e a sobrepor-se à dos nossos potenciais herdeiros e cuidadores.
Aos 50 anos construímos um percurso, um estatuto, uma teia de relações e um acervo patrimonial. Isso exige da nossa parte uma reflexão que planeie o futuro, que ajude os nossos familiares a lidar com uma eventual perda de capacidade cognitiva e que guie os profissionais no delicado ato de cuidar.
Esta é a altura da vida em que temos que colocar em perspetiva se estamos ou não a fazer os investimentos certos, quer na dimensão financeira, quer na dimensão social e afetiva. Este é o momento em que devemos estudar a Lei do Testamento Vital e fazer a nossa diretiva antecipada de vida e escolher um procurador de saúde. É agora que temos de pensar se ter contas conjuntas é boa ideia ou se é melhor optarmos por outras figuras, que mais nos protejam. Esta é a idade adequada para pensar quem gostaríamos que fosse um dia o nosso acompanhante, a pessoa que nos apoiará quando for difícil ou impossível tomar decisões. Esta é a fase em que temos que garantir a preservação dos nossos direitos pessoais previstos no artigo 26º da Constituição, fazer um pé de meia que nos mantenha independentes e perceber se a nossa habitação é uma casa para a vida.
Esta profunda análise exige conhecimentos jurídicos transversais em diversos ramos do direito, desde o direito de família ao direito de arrendamento. Exige pesquisa, interesse e a afirmação de uma cidadania responsável. Porque só temos direitos se cumprirmos o dever de projetar, em consciência, o nosso futuro.