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O impacto da crescente longevidade humana na medicina, na demografia, na sociedade e na economia. Como encaramos o envelhecimento? E em que sociedades queremos envelhecer? Questões que marcaram as conferências dos dias 20 de maio, 3 e 23 de junho. Em jeito de balanço entrevistamos Liliana Coutinho, responsável pela programação de conferências e debates da Culturgest.
Impulso Positivo: Ao longo deste ciclo de conferências ouvimos os vários convidados a repetirem alertas para a necessidade de superar ‘mitos’ em relação à idade. O primeiro passo, possivelmente, um dos mais importantes, é colocar este tema em debate público. Falar de envelhecimento é difícil?
Liliana Coutinho: Não considero difícil falar de envelhecimento. É um assunto que está presente nas nossas conversas quotidianas, não só em vários encontros onde se abordam as dificuldades sociais e económicas que se colocam a uma sociedade envelhecida, principalmente ao nível dos sistemas de saúde e de segurança social, mas também nos nossos mais pequenos desabafos e expressões de pequenas dores ou preocupações.
Mais raro será talvez falar de envelhecimento sem o peso excessivo da preocupação e das dificuldades.
Estas existem, principalmente em sociedades onde existe desigualdade económica, que têm os seus sistemas de relações sociais baseados no trabalho de pessoas mais jovens e que criaram modos de participação na sociedade demasiado estáticos e baseados em preconceitos de idade que acabam por excluir as pessoas mais velhas de uma existência activa (que não se resume somente à actividade laboral).
Não se trata de esconder as dificuldades e de olhar só para uma eventual dimensão positiva, esquecendo as restantes dimensões. Trata-se antes de saber que os problemas não se resolvem se estivermos sempre a olhá-los como problemas e não virmos toda a potencialidade que os envolve.
Talvez uma das maiores dificuldades seja o de olhar de forma aberta e construtiva para esta circunstância de vivermos numa demografia que se transforma, e que um dos vectores dessa transformação é o envelhecimento (outro são as migrações, por exemplo).
Esta foi uma das predisposições conceptuais que serviram de base à preparação destas conferências.
Impulso Positivo: Quando trabalhavam a programação destas conferências, possivelmente, ainda não se falava de Covid-19 ou quanto muito chegavam parcas notícias de uma nova doença. Em que medida, sentiram que a pandemia apenas reforçou a importância do tema da longevidade?
Liliana Coutinho: Os conteúdos desta conferência começaram a ser delineados, em parceria mecenática com a companhia de seguros Fidelidade e científica com o Instituto Superior Técnico da Universidade de Lisboa e com a Nova SBE Health Economics and Management KC, no início do Verão de 2019.
O programa estava pronto muito antes da entrada deste novo vírus nas nossas vidas.
Considero que o tema já era de grande importância mas ganhou um espaço mais visível. Fomos confrontados diariamente, na nossa vida privada ou através dos meios de comunicação social, com a morte e foi-nos pedido que consideremos a nossa própria e a dos que nos são próximos.
A questão de como é que podemos conservar a longevidade, ou seja, continuar a viver, tornou-se então muito presente nas nossas vidas.
As circunstâncias trazidas pela pandemia não alteraram o plano inicial das conferências, ou seja, fizemos questão de não abdicar de uma perspectiva mais ampla sobre a longevidade mas o COVID-19 entrou como mais um dos assuntos a considerar, até porque muitos dos cientistas que intervieram neste ciclo dirigiram também parte do seu trabalho de investigação para o combate a esta pandemia.
De um ponto de vista mais social, observei algumas ressonâncias directas entre os debates e situações iluminadas pelas circunstâncias da pandemia.
Por exemplo, no que diz respeito à qualidade de vida e à participação dos cidadãos mais velhos na sociedade, se olharmos para a realidade de muitas pessoas que vivem em lares (locais que foram especialmente vulneráveis á transmissão), verificamos que há muito trabalho a fazer, colectivamente, para que se possa construir uma sociedade que permita a estes cidadãos uma vida socialmente estimulante, não isolada, tendo em conta as capacidades de decisão e de escolha destas pessoas, mesmo em situação de pandemia.
Impulso Positivo: Numa outra perspetiva, mais técnica, à semelhança de outras iniciativas, este era um ciclo de conferências que inicialmente decorria presencialmente, não é assim?
Liliana Coutinho: Sim, o plano inicial era realizar estas conferências no Grande Auditório da Culturgest. No entanto, como aconteceu um pouco em todo o lado, tivemos de mudar de plano, fazendo uso das possibilidades técnicas que temos hoje em dia à nossa disposição.
Foi um desafio para toda a equipa e convidados, um momento de aprendizagem que penso que superámos bem, tanto em termos práticos, pois foi precisa toda uma orquestração técnica para mantermos, não só as conferências em si mas também outros aspectos ligados à sua acessibilidade, como por exemplo, as traduções simultâneas inglês-português e em Língua Gestual Portuguesa, ou a possibilidade de o público intervir nos debates com as suas questões - esta é uma dimensão que consideramos importante tanto online como presencialmente.
Impulso Positivo: Nós tivemos o imenso gosto de assistir às três conferências e, em todas, perdemos a conta ao número de pessoas que agradecia o facto de poder estar a assistir online a estes debates. Do sofá das suas casas no norte do país, no sul ou nas ilhas era indiferente a localização. Bastava ligar o computador ou o telemóvel e estavam a assistir. Este efeito inclusivo do online foi uma boa surpresa?
Liliana Coutinho: Sim. De certa forma já sabíamos que o meio utilizado tinha esta possibilidade de ir ter com as pessoas – a primeira conferência que realizamos na Culturgest em época de confinamento, acerca da necessidade de construirmos culturas e comportamentos que regenerem, curem o planeta Terra, surpreendeu-nos logo pelo facto de ter reunido pessoas que assistiam em Portugal, no Brasil, na Nova Zelândia… em várias casas, países e múltiplos fusos horários.
No entanto, nada estava garantido à partida e foi muito gratificante a experiência de ver que o espaço virtual, não substituindo a energia e as trocas que se geram nos encontros presenciais, pode ser mais uma ferramenta de inclusão e acessibilidade. É uma aprendizagem que guardamos esta experiência.
Impulso Positivo: Para quem não viu ou gostaria de repetir alguma das conferências como é que o pode fazer?
Liliana Coutinho: Pode aceder as gravações através dos nossos espaços online.
No canal Youtube da Culturgest encontrará todas as gravações relativas ao ciclo LIFE > TIME: A VIDA MAIOR QUE O TEMPO, assim como outras conferências da nossa programação.
É ainda possível aceder através da secção de vídeos da nossa página de Facebook da Culturgest, ou da secção Arquivo do nosso website – www.culturgest.pt - , procurando pelas páginas do ciclo.
Neste canal, o nosso website, poderão ainda encontrar um outro material exploratório sobre o tema, que recomendo:
Para cada dia de conferências foi construído um microsite – três microsites no total, um dedicado:
- à Regeneração,
- à Precisão
- às Implicações Sociais.
Aí é possível aceder a pequenos vídeos, textos e entrevistas, que introduzem ou aprofundam o tema. Criámos também um glossário com palavras que ajudam a compreender melhor os assuntos abordados.
Impulso Positivo: Depois de uma iniciativa como esta, com a qualidade e o sucesso do evento, está pensado algum seguimento para este tema?
Liliana Coutinho: No que diz respeito à programação de conferências da Culturgest, no imediato não temos previsto abordar este tema.
Somos uma instituição cultural que acolhe, para além de um cuidado programa na área da arte contemporânea (dança, teatro música, artes plásticas), muitos debates sobre várias questões que consideramos importantes de serem abordadas na esfera pública.
No entanto, permita-me dar uma resposta mais elaborada à vossa pergunta: um dos aspectos mais importantes a ter em conta na longevidade é a qualidade de vida e esta não se limita a questões de manutenção da saúde física ou a outras dimensões materiais.
O estímulo cognitivo, mental, espiritual, a capacidade de mantermos sempre a curiosidade pelo mundo no qual vivemos, que acontece quando participamos em actividades culturais e artísticas, que são também actividades de sociabilização e de descoberta contínua, é também muito importante para essa qualidade de vida.
Nessa dimensão, continuaremos a querer ser esse espaço aberto a todos, longevos e menos longevos.
Talvez não voltemos para já ao tema da longevidade, mas estamos abertos para dar o nosso contributo a que esta se dê com a melhor qualidade possível.