Melhores hábitos e fármacos clareiam “nuvens” no cancro | Saúde e Bem Estar

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Melhores hábitos e fármacos clareiam “nuvens” no cancro

21/07/2019 | Sofia Braga - Oncologista

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Como é que a ciência tem ajudado o cancro? O cancro é a principal causa de morte no nosso país. Foi em 2009 que se deu o fenómeno da inversão epidemiológica, ou seja, o cancro ultrapassou as doenças cardiovasculares como principal causa de morte. Este fenómeno é uma tendência na Europa Ocidental. Estima-se que em 2018 tenha havido 55 mil novos doentes. Cancro do colon e reto, mama, próstata e pulmão são quatro tipos mais frequentes.

O principal fator de risco de cancro é o envelhecimento. O facto de termos cada vez mais saúde, e, de vivermos até mais tarde, faz-nos estar mais predispostos a desenvolver doenças oncológicas.

Os doentes perguntam-nos: “Porque é que tenho esta doença, o que fiz?”. Pensam sempre que tem a ver com hereditariedade, a família, os genes herdados. Mas raramente isso é verdade. Encontramos alterações genéticas herdadas, ou seja, que conseguimos encontrar em outros membros da mesma família que estão também doentes, em apenas em 5% dos casos de cancro. Encontramos, em mais 5% de casos, famílias com vários casos, mas em que não se encontram as mesmas alterações genéticas nos membros afetados. Restam-nos os maioritários 90% dos casos a que chamamos esporádicos e cuja causalidade pode estar nos estilos de vida.

Estilo de vida saudável reduz riscos

Há outros fatores de risco importantes para o cancro e para os quais podemos fazer algo. Falámos de estilos de vida. O cancro é uma doença dos nossos genes, mas não dos nossos genes que transmitimos aos nossos filhos. Reside aqui uma importante diferença.

Os nossos comportamentos menos positivos vão alterar o genoma das células que compõem os órgãos onde surgem tumores. Alterando as células destes tecidos e tornando-as, através destas mutações, mais capazes de ser agressivas e de espalhar-se causando metástases (dividem-se, não morrem). Estas propriedades das células neoplásicas residem em alterações do genoma.

O carcinoma do colon relaciona-se com um estilo de vida sedentário, pouco exercício físico, obesidade (nomeadamente com gordura abdominal), excesso de carnes vermelhas e processadas, além de tabaco e álcool. O carcinoma da mama, na maioria dos casos, é uma doença profundamente influenciada pelo ambiente hormonal da mulher. Assim, os fatores de risco são não ter filhos, não amamentar, usar anticoncecionais hormonais, fazer terapêutica hormonal de substituição na menopausa, e, finalmente, o uso de técnicas de procriação médica assistida, que é uma área pouco explorada. No cancro de mama, obesidade, consumo de álcool, alimentação pouco racional e sedentarismo também são importantes.

O cancro da próstata tem fatores de risco semelhantes aos dois anteriores: Obesidade, álcool, tabaco e alimentação com excessos de açúcares rápidos, gordura animal e pobre em fruta e vegetais. Já no cancro do pulmão o principal fator de risco é o tabaco. Há casos de tumores do pulmão em pessoas que nunca fumaram, mas, vamos tendo evidência molecular de que são, afinal, doenças diferentes que trataremos de forma distinta. O tabaco é, também, fator de risco para os carcinomas da cabeça e do pescoço: cavidade oral, amígdala, faringe e, especialmente, laringe. Também o cancro da bexiga e do colo do útero têm no fumo um fator de risco.

Terapêuticas evoluíram nos últimos 20 anos

Como é que o tratamento destas doenças tem evoluído? Temos evoluído muito nos fármacos com que tratamos os doentes. Em qualquer dos quatro cancros referidos, o impacto dos últimos 20 anos foi importante em termos de novas estratégias terapêuticas. Temos assistido a um refinamento terapêutico cada vez maior, em que os genes dos tumores são testados e a terapêutica é decidida de acordo com estas alterações moleculares.

Obviamente que ter muitos fármacos sofisticados para fases tardias da doença tem um impacto pequeno na mortalidade, porque, em fases tardias, já não podemos curar os doentes. O desafio é tornarmos estes pacientes em doentes crónicos que vivem em homeostasia com o seu tumor.

Penso que estamos numa era positiva, em que se conseguem curar tumores pequenos e em que conseguimos tornar crónicos alguns doentes avançados.