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O que nos espera na reforma?

28/07/2019 | Fernando Ribeiro Mendes Dirigente da Cidadania Social

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Até agora, passarmos à reforma por termos atingido a idade normal para o efeito, era, para cada pessoa, um momento singular da sua vida que se revestia de alguma solenidade, por tratar-se do exercício de um direito de cidadania, cujas consequências saltavam à vista.

Uma delas era óbvia por demais: o novel reformado deixava de cumprir obrigatoriamente as rotinas de atividade que lhe tinham colonizado a maior parte da sua vida adulta. O transporte a tempo e horas, a chegada ao local de trabalho, o “picar o ponto”, o ocupar o posto de trabalho, iniciando e realizando as tarefas programadas mais ou menos repetitivas na maior e melhor parte de cada dia. Agora, tudo isso desaparecia. Não raras vezes, isso deixava um vazio na vida do recém-reformado, o qual só lentamente ia sendo superado através de mais e mais consumo para preencher o lazer.

Sucede que este paradigma de ócio confortável está a mudar aceleradamente porque o ciclo completo de vida ativa preenchida quase por inteiro por emprego estável e profissão única entrou em disrupção há algumas décadas.

Esta disrupção aconteceu por várias razões.

As clássicas empresas industriais e comerciais, muitas vezes seculares, que fidelizavam a sua força de trabalho para a vida inteira, vêm rareando ou desaparecendo de todo. Em seu lugar fica, na melhor das hipóteses, a marca do antigo fabricante ou comerciante de rua, deslocalizando-se as suas operações ou encerrando portas em definitivo. Ao mesmo tempo, brotam como cogumelos empresas de serviços baseadas na tecnologia digital, de grande instabilidade estrutural e precariedade de vínculos. Em paralelo, muitas profissões tornam-se tecnologicamente obsoletas e as funções e tarefas a que davam corpo passam a ser levadas a cabo em novos moldes, por máquinas automatizadas e por robôs.

Em consequência, o ciclo quase ininterrupto de emprego num mesmo empregador ou, pelo menos, numa mesma indústria, e com a mesma profissão já não é a característica principal de muitos dos novos reformados, e sê-lo-á cada vez menos no próximo futuro. Acompanha esta mudança, inevitavelmente, um padrão de rendimentos do trabalho auferidos que é cada vez mais irregular. Ora, o sistema público de pensões que herdámos não está de todo preparado para este novo padrão, criando-se um grave problema de “adequação” das pensões.

 

Manter o nível de vida anterior à reforma?

Uma boa abordagem a este problema é a comparação das pensões contributivas recebidas pelos pensionistas com os rendimentos do trabalho que calham à população empregada, em cada momento, o chamado rácio de benefício, cuja evolução no tempo nos dará ideia do que o futuro nos reserva.

As instâncias comunitárias projetam regularmente a evolução de longo prazo deste rácio de benefício para os países da União Europeia nos seus relatórios sobre o envelhecimento, publicados de três em três anos. No relatório de 2018, projeta-se uma redução do rácio de 11 pontos percentuais, caindo dos 44,1 para os 33,2%, entre 2016 e 2065, no conjunto dos 27 Estados-membros. Portugal supera largamente esta evolução, projetando-se uma descida dos 57,5 para 34,4%, isto é, uma redução de 23 pontos percentuais do rácio em apreço nos próximos 50 anos.

A adequação das pensões vai, sem dúvida, reduzir-se substancialmente, pelo que aos que irão reformar-se nas próxima quatro ou cinco décadas não lhes bastará a pensão pública se quiserem ter um rendimento “adequado” nessa fase das suas vidas.

Porque estamos confrontados com tal perspetiva pouco risonha para a vida dos futuros reformados? As projetadas perdas de adequação das pensões públicas resultam da prioridade dada à garantia da sustentabilidade financeira dos sistemas públicos de pensões que está hoje consensualizada na União Europeia e no resto do mundo, tendo em conta o acentuado envelhecimento demográfico.

Para compensar a perda de generosidade dos sistemas de pensões, preconiza-se a maior responsabilização dos cidadãos e das instituições da sociedade civil na proteção social. Por isso, o apelo à poupança e à constituição voluntária de complementos de pensão tornou-se uma das orientações estruturantes das políticas sociais da União Europeia.

É certo que certas vozes bradam contra o novo paradigma, clamando pelo regresso ao modelo de vida confortável e ociosa que foi o dos reformados desde as décadas de 1980 e 1990 até há pouco tempo. A meu ver, tais propósitos apenas aproveitam aos populismos, pois não são de todo viáveis no atual contexto de transformação digital das economias e de envelhecimento demográfico.

Do que precisamos é de um novo modelo de vida, em que atividade e inatividade económicas não sejam repartidas de forma estanque nos tempos das nossa vidas, nem o consumismo seja a medida universal da autorrealização e da felicidade de cada um de nós.