Introduza o seu e-mail
O envelhecimento apresenta-se como um dos dilemas centrais do século XXI. Nas últimas décadas as sociedades mais desenvolvidas tornaram-se mais envelhecidas. À medida que a pessoa envelhece, a sua qualidade de vida é determinada, em grande parte, pela sua capacidade para manter a autonomia e a independência. Tal constatação fez surgir o conceito de esperança de vida saudável, que se traduz em medir o tempo em que pessoas podem esperar viver sem incapacidades.
O desafio não é “como viver mais” mas sim “como viver melhor”. Alimentar-se corretamente, gerir o stress, praticar atividade física e controlar o peso corporal. Isso não so evita ou retarda a mortalidade por doenças crónicas, mas possibilita que eventos graves, que reduzem a qualidade de vida, sejam adiados por vários anos.
O objetivo é melhorar a qualidade de vida através de estratégias que promovam a redução dos fatores de risco, permitindo um envelhecer saudável e produtivo, gerando uma menor utilização dos recursos sociais e da saúde. Assim, as abordagens para alcançar uma vida emocional e social saudável devem passar pela modificação do estilo de vida das pessoas, através da redução do sedentarismo e do controlo alimentar.
À medida que envelhecemos, iremos ser confrontados com a perspetiva de rever as nossas condições de vida. N. o que diz respeito à habitação, as suas características e a sua adequabilidade e acessibilidade têm uma grande influência na qualidade de vida das pessoas com mais idade. Há transformações e alterações a serem realizadas, de forma a criar um novo paradigma que permita que sejam os próprios cidadãos dos escalões etários mais avançados, com as suas famílias, a definirem qual a solução residencial que melhor se adapta à sua situação. Contudo, para que tal seja possível, é necessário criar essas alternativas.
Se, por um lado, as políticas e os programas de envelhecimento ativo devem favorecer o equilíbrio da responsabilidade pessoal, isto é, o cuidado com a própria saúde e a dos membros da família, por outro é fundamental analisar as questões ligadas à habitação e ao urbanismo, uma vez que todos os outros grupos etários diminuirão nas próximas quatro décadas.
O conceito de envelhecimento ativo e saudável traduz a possibilidade das pessoas permanecerem autónomas e capazes de cuidar de si próprias no seu meio habitual de vida, ainda que com recurso a apoios. No entanto, a realidade mostra que existe um número considerável de pessoas que não encontram esta resposta no seu meio familiar. Assim, é necessário criar outras alternativas para que a dimensão física, psíquica, intelectual, espiritual, emocional, cultural e social da vida de cada individuo, possam por si ser desenvolvidas, sem limitações dos seus direitos fundamentais à identidade e à autonomia.[1]
A arquitetura e o urbanismo têm uma influência determinante na qualidade de vida das populações, com particular destaque para as mais vulneráveis ou mais dependentes. Considerando os dados demográficos, é essencial que a habitação a construir, a reabilitar ou a adaptar, tenha por base esta realidade, assegurando que os seus utilizadores possam manter a sua autonomia e autodeterminação ao longo do tempo.
Há alguns anos que existem diversas tipologias de habitação para seniores independentes, com maior incidência nos países anglo-saxónicos e nórdicos, como são exemplos as homeshare, lifetimes home, cohousing, sheltered e extra care home. Com estas tipologias, cuja maioria não oferece cuidados médicos ou de enfermagem, pretende-se encontrar um equilíbrio entre independência, privacidade, interação social e capacidade económica.
As tipologias sheltered e extra care home implicam alguma assistência social e de saúde na vida diária, enquanto as restantes acarretam uma vivência em comunidade com a oferta de serviços e atividades, de modo a incentivarem o relacionamento através da participação em atividades comunitárias, tais como ateliers de costura, aulas de ginástica, de dança, natação, passeios e férias. Tal como acontece com a habitação regular, o custo destas habitações depende da localização, da dimensão do apartamento e dos serviços disponíveis.
A habitação para a idade maior deve ser vista como um conjunto habitacional normalizado, ao qual se adicionam serviços específicos de apoio, onde é potenciado o bem-estar, a autonomia e a inclusão social.
Inserida nesta problemática, a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) tem desenvolvido, nos últimos anos, um conjunto de projetos com conceitos alternativos de habitação para os mais velhos, tendo por base os princípios da intergeracionalidade e da mobilidade.
Estas estruturas residenciais, denominadas residências assistidas, encontram-se no Bairro Padre Cruz, na Quinta das Flores e no Centro Comunitário de Telheiras. Nestes espaços coabitam diversas valências, que permitem a centralização de serviços comuns e a interação entre os diversos utilizadores.
O Bairro Padre cruz é um exemplo de sucesso, por concentrar, num mesmo edifício, as valências de residências assistidas (30 apartamentos de tipologia T0), centro de dia/espaço interage (com zona de refeições e salas de atividades), apoio domiciliário e uma creche para 33 crianças.
Este modelo de habitação para pessoas de escalões etários superiores atinge, assim, um patamar elevado de qualidade, ao integrar todas estas valências e ao permitir dar as respostas mais adequadas aos mais velhos, ao mesmo tempo que integra os mais novos.
Não é a mesma coisa criar um espaço intergeracional ou um espaço multigeracional. O último termo refere-se ao design de ambientes físicos capazes de responder às necessidades de pessoas de todas as idades. No entanto, a partir de uma perspetiva intergeracional, o objetivo é não só instalar as diferentes gerações, mas também criar condições físicas para elas interagirem no momento e no tempo.
A Quinta Alegre é outro dos projetos desenvolvidos pela SCML que procura uma relação intergeracional entre os mais velhos e os mais novos, bem como com a população em geral, de forma a garantir uma interação constante e um desenvolvimento intelectual e social, evitando o isolamento e exclusão recorrente nas pessoas dos escalões etários superiores.[2]
Assim, o projeto global para a Quinta Alegre foi estruturado sobre o princípio da vivência intergeracional e da mobilidade e é composto por três unidades funcionais complementares: Unidade Social, Unidade Assistida e Unidade Residencial.
A Unidade Social, já executada e em funcionamento no Palácio Marques do Alegrete e no Jardim Romântico, possui diversos espaços lúdicos (biblioteca, sala de jogos, salas multiusos, cozinha, equipamentos de manutenção geriátrica) que permitem a realização de múltiplas atividades, servindo de apoio à Unidade Assistida – Estrutura Residencial para Idosos (ERPI) e à futura Unidade Residencial.
Na segunda fase, concluída em 2018, foram reabilitados os anexos agrícolas existentes e construído um novo edifício independente, mas fisicamente ligados através de um passadiço. Nestes edifícios nasce a Unidade Assistida, que compreende uma ERPI com quartos duplos e quartos individuais, assim como apartamentos direcionados para pessoas que necessitam apenas de apoio pontual, permitindo prolongar rotinas existentes em habitação própria. Os quartos e os apartamentos estão preparados com todas as acessibilidades e conforto.
Na Unidade Residencial, em fase de projeto e a construir de raiz, pretende-se criar habitação autónoma para pessoas de todas as idades. Cada espaço está dividido em áreas com usos distintos: quarto, instalação sanitária com acessibilidade para todos e espaço de estar com kitchenette. Todos os serviços instalados nas várias Unidades da Quinta Alegre, bem como as atividades a desenvolver, serão para uso de todos os que lá residirem.
O objetivo deste projeto é não só permitir a possibilidade de proporcionar habitação a diferentes gerações, mas criar condições físicas efetivas para elas interagirem.
Os apartamentos têm um conceito de base inclusivo de arquitetura para todos, e tanto podem ser utilizados por estudantes, como por casais jovens ou por pessoas mais velhas que pretendam viver na sua habitação.
Com este projeto da Quinta Alegre, pretende-se o bem-estar tanto a nível mental como físico de todos os residentes, proporcionando o relacionamento intergeracional não de forma momentânea, mas de uma forma que seja parte integrante dele.
A SCML está a desenvolver outros projetos, continuando a apostar numa intervenção onde a autonomia, a humanização intergeracional e a mobilidade detêm um papel primordial.