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Os Novos Idosos - envelhecimento ativo e direito

23/05/2022 | Joana Aroso

Livro "Os Novos Idosos" lançado pela JPAB sociedade de advogados. Fonte: JPAB Livro "Os Novos Idosos" lançado pela JPAB sociedade de advogados. Fonte: JPAB

Neste livro, vários especialistas debruçam-se sobre o estatuto, os direitos e os deveres dos idosos enquanto cidadãos, com foco também no contributo que podem dar à sociedade, numa lógica de promoção do envelhecimento ativo e saudável.

Impulso Positivo: Na sua perspetiva, como encara a sociedade a população mais idosa? E de que forma a pandemia expôs o “idadismo”, as atitudes preconceituosas e discriminatórias com base na idade?

Joana Silva Aroso:

A sociedade ainda tem uma visão “pessimista” e negativa acerca do envelhecimento.

Parece-me que há duas perspetivas em que podemos considerar que o “idadismo” está muito presente. Uma é a do “pré-conceito” puro, assente na ideia de que o avançar da idade apenas traz consigo limitações, dificuldades e fragilidades.

A velhice começou a ser encarada, sobretudo nas sociedades ocidentais, como uma etapa de decadência física e perda de faculdades, muito a partir da segunda metade do século XIX, o que não deixa de estar associado à Revolução Industrial, ao aparecimento da “sociedade do consumo” e à Era do descartável.

Há dois autores brasileiros da área da psicologia, Rodolfo Schneider e Tatiana Irigaray, que resumem bem esta concepção, quando escrevem:

“Enquanto todos os outros estágios da vida são planejados e construídos social e culturalmente, e não existem conflitos para eliminar a infância, a adolescência e a idade adulta do panorama do desenvolvimento humano, a velhice é colocada à margem (…) pois ao mesmo tempo em que as pessoas querem viver muito, não querem ficar velhas nem se parecer com velhos”.

A outra forma de “idadismo” que considero existir, menos abordada, mas nem por isso menos grave, consiste em ignorar o tema, como se o silêncio trouxesse consigo a virtualidade de atrasar o nosso próprio processo de envelhecimento ou até de o evitar.

A pandemia veio, de algum modo, tornar impossível esse silêncio.

O contexto pandémico levou-nos a repensar a questão da proteção dos “mais vulneráveis”. Em Portugal, os idosos foram, claramente, o grupo mais afetado, não apenas pela doença em si mesma, mas pelos efeitos colaterais da mesma e pelas medidas de proteção.

Para os idosos, a pandemia não foi apenas a da Covid – 19, mas sim do isolamento e da solidão.

Recordo-me de ler as palavras do Senhor Presidente Confederação Nacional das Instituições Particulares de Solidariedade Social, dizendo claramente que o mais difícil de gerir foi a solidão dos idosos, desde os que estavam nos lares e que ficaram sem visitas, até aos que iam aos centros de dia e que ficaram confinados em casa, e defendendo que existia a necessidade premente de olhar para estas instituições e para os idosos e de os ver como cidadãos de pleno direito.

Por isso, diria que com a pandemia veio a urgência da mudança de paradigma, do atual – comiserativo, segregador, menorizador – para o que se impõe: o de promoção de um envelhecimento ativo, com qualidade, intervenção e participação na comunidade.

Num documento divulgado a 9 fevereiro de 2021 -

A velhice: o nosso futuro. As condições dos idosos após a pandemia” – a Academia Pontifícia para a Vida do Vaticano escreveu: “Toda a sociedade civil, a Igreja e as várias tradições religiosas, o mundo da cultura, da escola, do voluntariado, do espetáculo, da economia e das comunicações sociais devem sentir a responsabilidade de sugerir e apoiar – no interior desta revolução coperniciana – novas e incisivas medidas para que seja possível aos idosos serem acompanhados e assistidos em contextos familiares, na sua casa e em todo o caso em ambientes familiares que se assemelhem mais à casa que ao hospital. Trata-se de uma viragem cultural a concretizar.”

2012 foi o ano Europeu do envelhecimento ativo e da solidariedade entre gerações – 2020 e a Pandemia vieram demonstrar que não foi feito caminho suficiente em 10 anos.

Este é, por isso, um momento charneira e desafiante, que não podemos desperdiçar, para vermos implementada esta cultura positiva da velhice.

 

Impulso Positivo: Como podemos ultrapassar o paradigma, ainda vigente, do idoso como uma pessoa vulnerável e em declínio? Como podemos promover a literacia para a longevidade?

Joana Silva Aroso:

Pensar juridicamente a condição dos mais velhos é muito desafiante, atentos os preconceitos a quebrar. Por isso é cada vez mais importante trazer este tema para o espaço público e incluí-lo na agenda política. É fundamental promover o debate, a discussão e a partilha de conhecimento, de uma forma transversal às várias áreas do saber.

A comunicação social tem, aqui, um papel de enorme relevo, assim como as organizações da comunidade civil e científicas. Veja-se que, muito recentemente, foi também devido a forte pressão da sociedade civil e da comunidade científica que a OMS recuou na sua decisão de classificar a velhice como doença na Classificação Internacional de Doenças que entrou em vigor este ano. Como referiu o Professor Alexandre Kalache, esta decisão veio pôr um freio no “idadismo” e que iria atingir níveis sem precedentes.

Há dois aspetos que me parecem muito importantes nesta promoção da literacia para a longevidade. Por um lado, a da abordagem e discussão transversais a várias áreas do conhecimento, como referi, permitindo que diferentes visões sobre o problema, oriundas do direito, da economia, da engenharia, da sociologia, e.g. se “contaminem” e se integrem.

O diálogo integrado e aberto só pode ser frutuoso, sobretudo quando orientado para um propósito comum, de dar qualidade à nossa longevidade.

Por outro lado, será fundamental não excluir, antes incluindo os mais velhos nesta discussão, porque são sujeitos ativos de direitos, são cidadãos de pleno direito.

Não será, por isso, de promover apenas um “diálogo sobre”, mas antes um “diálogo com”, em que os principais interessados sejam ouvidos e as suas preocupações, projetos e ambições ganhem um fórum. Conquistar esse espaço público de interveção é um passo muito importante.

Impulso Positivo: Tem o poder político prestado a devida atenção à população mais idosa? A que distância estamos de reconhecer a longevidade como um desígnio nacional?

Joana Silva Aroso:

Tem sido feito um caminho, longe ainda de satisfatório, sobretudo desde a nossa Constituição de 1976, a primeira a consagrar, no seu texto, uma verdadeira política para a aí chamada terceira idade.  Antes disso, é consensual que, embora existisse assistência pública na velhice, esta não era, sequer, uma categoria de ação política.

O que penso que é desejável é que reconheçamos a longevidade como um facto, como resultado do “Tempo Extra” de que nos fala Camilla Cavendish, em que a “a idade cronológica está a ficar desfasada das capacidades biológicas” e que ganhámos em consequência da melhoria das condições económicas, de saúde e de vida, em termos globais.

Diria, por isso, que o desígnio nacional não deverá ser tanto, ou apenas, o da longevidade, mas sim o de dar qualidade a essa longevidade, o de lhe dar um verdadeiro “sentido”.

Impulso Positivo: A legislação nacional tem acompanhado o aumento da esperança média de vida? Quais os maiores desafios de pensar juridicamente a condição dos mais velhos?

Joana Silva Aroso:

Sou tentada, com frequência, a considerar que o problema não está na legislação ou na falta dela, mas sim na mentalidade e nas prioridades políticas.

No entanto, em matéria de previsão das várias dimensões do envelhecimento, encontramos legislação dispersa e sem verdadeira consagração de algumas especificidades que, penso, seria positivo prever.

É evidente que sempre que prevemos especificamente ou autonomizamos uma categoria de sujeitos – como tantas vezes sucede com as crianças ou com as mulheres – podemos correr o risco de cair no protecionismo e adotar uma visão paternalista.

Não é isso que se pretende, e não é por isso que deve deixar se de procurar prever essas especificidades, procurando, sobretudo, que toda a legislação que se produza seja imbuída do espírito do envelhecimento ativo e de uma cultura positiva da velhice.  O grande desafio está em criar soluções integradas, transversais e não segregadoras.

Impulso Positivo: Muito recentemente, no mês de abril, a Câmara Municipal de Lisboa, aprovou o acesso a transportes públicos gratuitos para os mais novos (até aos 23 anos) e para os maiores de 65 anos. Carlos Moedas, na ocasião, referiu que «isto é fazer política para todos».

Que outras medidas de caracter prático, como esta, podem fazer a diferença na qualidade de vida dos idosos?

Joana Silva Aroso:

Um possível primeiro passo – e urgente - seria o de rever a legislação relativa às soluções de habitação coletiva para os idosos, alterando o atual paradigma das estruturas residenciais e procurando acolher soluções novas, mais dinâmicas e favoráveis, além do mais, ao convívio intergeracional.

Mesmo ao nível do investimento privado, o mercado residencial sénior permanece por explorar, sobretudo quando pensamos em soluções para a chamada “classe média” (se ainda pudermos usar esta expressão), de cariz inovador, com oferta integrada de soluções residenciais e de serviços.

Seria também interessante ponderar, a par das conhecidas medidas de cariz protetor, a criação de medidas práticas de favorecimento e de incentivo ao investimento sénior, quer ao nível do crédito, quer ao nível do consumo.

Impulso Positivo: Portugal continua a debater-se com sérios problemas no que diz respeito às pensões por velhice. Por um lado, o valor reduzido da grande maioria das pensões, e que regra geral, significam uma redução do rendimento disponível ao passar da vida ativa para a reforma. Por outro, a ameaça à subsistência do sistema de segurança social. De que forma a promoção de um envelhecimento ativo e a perceção do potencial da economia da longevidade podem ser fazer parte da solução?

Joana Silva Aroso:

A promoção do envelhecimento ativo e a perceção do potencial da economia da longevidade podem contribuir para a perceção de que, muitas vezes, o atingir da idade da reforma não é mais do que uma barreira artificial, uma construção teórica e dogmática (à qual podemos ou não aderir), mas que, na prática, não é e não precisa de ser sinónimo de “parar”.

De todo o modo, a utilização de mecanismos inovadores ao nível do mercado de trabalho, que estimulem a solidariedade intergeracional, a mudança de paradigma no sentido da promoção da permanência dos trabalhadores mais velhos, que assim o desejem, no mercado de trabalho, contribuiriam para implementar uma verdadeira política laboral para a terceira idade e para o combate à discriminação em razão da idade.

A economia da longevidade é necessariamente, em face da tendência crescente para o envelhecimento da população, a economia do futuro. Seja ao nível do mercado residencial, do turismo sénior, da área da saúde e da engenharia médica, da cosmética, do ensino e da educação para seniores. E se constituir a forma mais aliciante e atrativa de chamar a atenção para o tema e de combater o “idadismo”, pois usemo-la como meio para atingir um bom propósito.

 

Impulso Positivo: A terminar, qual o caminho que temos a percorrer no que respeito à cidadania do idoso em Portugal?

Joana Silva Aroso:

Voltando às palavras dos autores Rodolfo Schmeider e Tatiana Irigaray, “Há uma correspondência entre a conceção de velhice presente em uma sociedade e as atitudes frente às pessoas que estão envelhecendo”.

Temos de trabalhar nessa conceção, na desconstrução de preconceitos ainda muito enraizados, e esse caminho faz-se passo a passo.

É necessário não deixar passar as oportunidades, não deixar morrer a discussão e, sobretudo, não permitir que o individualismo, o imediatismo e a voracidade pelo que é novo nos façam esquecer que todos vamos ser velhos e que as soluções que construirmos agora já serão para os nossos filhos e netos.

De resto, a cidadania do idoso, em Portugal como noutros países, construir-se-á como a de qualquer cidadão: diariamente, no exercicio pleno dos direitos e dos deveres que nos assistem, e no direito a desenvolvermos, até ao fim, a nossa personalidade, em todas as suas valências.

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