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O grau das limitações resultantes merece uma reflexão de natureza social. Efectivamente, nestes últimos dias, foi-nos possível a todos perceber como se sentem as pessoas que, por qualquer motivo, não conseguem ligar aos diferentes serviços não porque exista uma falha de sistema, mas sim porque o sistema lhes falhou e não se conseguem ligação. Como assim?
Actualmente existe uma tal omnipresença do digital que se transformou no nosso ambiente de vida, influenciando pessoas, actividades, profissões, relacionamentos e empresas. De alguma forma, hoje estamos todos ligados.
Através desta digitalização, acelerada pela epidemia do coronavírus, está em curso a radical eliminação de processos físicos. Com a ganância de tornar tudo mais rentável, esquecemos como, muitas vezes, fica para trás o principal: as pessoas.
A este propósito, atente-se num exemplo de civismo que está a crescer em Espanha. No final de 2021, um médico de 78 anos, Carlos San Juan De Laorden, confrontado com uma cada vez maior dificuldade em ter acesso ao seu dinheiro por total ausência de dependências bancárias (apenas podia fazê-lo através de caixa multibanco ou por via digital), iniciou uma petição para mudar os procedimentos de acesso aos serviços bancários em benefício das pessoas que, por algum motivo, têm dificuldade em desenvencilhar-se digitalmente.
Foi tal o sucesso deste “movimento” – conhecido como “Soy mayor, no idiota” – que neste momento a petição já conta com mais de 600 mil assinaturas e começa a ter repercussão não só no próprio país como também internacionalmente.
Este movimento é um claro exemplo de que é possível, e exigível, que a sociedade seja inclusiva, em vez de se buscar constantemente a rapidez e a eficácia de alguns processos. Não podemos ignorar o reverso da medalha, que consiste em descartar os que tanto ajudaram a construir a sociedade em que hoje vivemos.
Em Portugal, esta exclusão ainda não é tão evidente, mas, gradualmente, tanto nos serviços públicos como nos privados, assistimos a exemplos gritantes de processos que provocam a exclusão de vários consumidores.
Hospitais, finanças e bancos são apenas alguns dos exemplos de serviços que nos obrigam a lidar, cada vez mais, com processos 100% digitais, o que os torna capazes de servir apenas alguns clientes, com a consequente exclusão dos restantes. A título de exemplo, pessoalmente já passei por mais do que uma experiência em que precisei de ir “estudar” para resolver uma coisa aparentemente tão simples como marcar uma consulta para poder fazer um exame com receita médica.
Tudo isto se torna ainda mais ingrato quando nos apercebemos de como esta “exclusão” é duplamente estigmatizante, já que à falta de competências digitais em si se junta um rótulo a autorizar que se escarneça de quem não consegue ser independente no meio digital.
Na nossa longevidade já nos deparámos, e iremos certamente continuar a fazê-lo, com muitas alterações significativas que nos fazem pensar de novo. No entanto, em todas elas nunca nos devemos esquecer das pessoas, pois são elas que dão significado a esta longevidade.
Por isso #soymayornoidiota