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A semana passada, tive o privilégio de almoçar com uma pessoa que admiro há muito tempo: Dr. Alexandre Kalache. Uma ponte feita por uma amiga comum, Silvia Triboni, que juntou um grupo de amigos para um almoço de cariz informal. E, embora o tema que nos uniu tivesse a ver com a longevidade, a partilha foi muito para além do tema. Falou-se de comidas, de lugares, de vivências, de experiências e também de livros e, de escritoras. E em particular de uma que me despertou a curiosidade: Conceição Evaristo. Uma escritora negra que escreve sobre a sua ancestralidade (e sobre Belo Horizonte, minha cidade por 5 anos e de onde guardo boas memórias dos tempos de infância).
Não posso deixar de partilhar este incrível poema sobre a vida desta escritora e sobre as suas origens e descendência.
Que este poema nos inspire a perceber outras vidas, outros lugares e outras vivências... e quem sabe, nos desperte para uma maior empatia. Para as nossas vidas, para as nossas origens, para os nossos antepassados e para as novas gerações. Fica o desafio.
O título: Vozes-mulheres
A voz de minha bisavó
ecoou criança
nos porões do navio.
ecoou lamentos
de uma infância perdida.
A voz de minha avó
ecoou obediência
aos brancos-donos de tudo.
A voz de minha mãe
ecoou baixinho revolta
no fundo das cozinhas alheias
debaixo das trouxas
roupagens sujas dos brancos
pelo caminho empoeirado
rumo à favela
A minha voz ainda
ecoa versos perplexos
com rimas de sangue
e fome.
A voz de minha filha
recolhe todas as nossas vozes
recolhe em si
as vozes mudas caladas
engasgadas nas gargantas.
A voz de minha filha
recolhe em si
a fala e o ato.
O ontem — o hoje — o agora.
Na voz de minha filha
se fará ouvir a ressonância
O eco da vida-liberdade.
Conceição Evaristo