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Historicamente, associamos o ato de cuidar a um ato feminino. Desde o início dos tempos que cuidar dos mais novos e dos mais velhos era tarefa exclusiva das mulheres no seio familiar e também comunitário.
Apesar das mulheres portuguesas sempre trabalharem – tarefas domésticas e familiares - só começaram a integrar o mercado de trabalho oficial a partir da década de 60. Este processo foi-se intensificando ao longo das décadas seguintes.
A revolução demográfica trouxe ainda uma longevidade crescente, nunca alcançada pelos antepassados.
Esta nova realidade social implicou a construção de novas soluções de apoio. As famílias alargadas, na qual coabitavam diferentes gerações e onde as mulheres desempenhavam o papel de cuidadoras, foram escasseando para dar lugar a novas formas de organização familiar.
A família nuclear – casal com ou sem filhos – tornou-se na estrutura predominante na sociedade portuguesa.
O processo de envelhecimento, inerente a todos os seres vivos, é um processo natural e heterogéneo, no qual se constatam perdas e ganhos, e que é necessário enquadrar e assegurar.
Com o avançar da idade podem manifestar-se diferentes níveis de dependência, doenças crónicas ou situações de demência. Mas o processo de envelhecimento natural não é apenas uma história de declínio ou doença.
Atualmente existem dois tipos de cuidadores:
- formal
- informal.
O cuidador formal é um profissional preparado para prestar apoio e cuidados de saúde em contexto domiciliário ou institucional (estrutura residencial para idosos, centro de dia, apoio domiciliário, entre outros).
A figura do cuidador informal é assegurada às pessoas dos escalões etários mais avançados pelos familiares, amigos, vizinhos ou voluntários que prestam cuidados de forma não remunerada.
O cuidar muitas vezes está associado a custos económicos e quer-se longe da vista e do coração. Os cuidadores informais, na maior parte dos casos, não possuem conhecimentos e capacidade emocional para tratar de alguém que, muitas vezes, exige um nível de dedicação permanente.
E este apoio é habitualmente prestado aos mais velhos por familiares com idade avançada. A mulher de 75 anos que cuida do marido de 80, a irmã de 80 que cuida do irmão mais velho.
Esta realidade complexa assume contornos particularmente preocupantes.
Viver os anos de idade mais avançada enquanto cuidador potencia situações de isolamento social, solidão, depressão e outras que derivam da sobrecarga física e mental.
A resposta não é simples nem certeira. Cuidar do outro não pode ser uma imposição, até porque cuidar de alguém exige sempre um perfil e sensibilidade que nem todos têm.
Podemos amar o nosso familiar e não ter capacidade para cuidar dele.
Não é crime, nem indiferença.
Para assegurar cuidados que garantam, verdadeiramente, o bem-estar e segurança é preciso ter vontade espontânea de aprendizagem e abnegação.Leia também o artigo da Jurista Paula Guimarães sobre o direito a cuidar.
Em última instância, sermos responsáveis por alguém, ou seja cuidar, tratar e apoiar, é a demonstração de amor mais elevada que um ser humano pode sentir pelo próximo.
Infelizmente, cuidar das pessoas de escalões etários mais avançados, em contexto familiar e profissional, ainda é uma realidade que necessita de muitos avanços e mudanças.
Enquanto a raiz de todo o problema não for combatida, o idadismo – discriminação com base no fator idade, a última discriminação socialmente aceite – vamos continuar a manter silenciadas todas as violações dos direitos humanos que afetam pessoas mais velhas em situações de dependência e fragilidade.
Estas violações podem ocorrer com cuidadores formais ou informais.
A negligência, os abusos físicos, psicológicos e financeiros, requerem medidas sociais e jurídicas com enquadramento e cumprimento rigoroso e eficaz.
Os cuidados de uma criança, comparados com os cuidados de uma pessoa mais velha, são observados de formas distintas.
Cuidar de uma criança é encarado como um gesto feliz e socialmente valorizado. Já cuidar de uma pessoa com mais idade é visto como um sacrifício, uma cruz que aprisiona e escurece a vida de quem cuida.
Um bebé quando está na fase de aprender a andar, caminha e cai, e todos batem palmas e riem. Quando uma pessoa de um escalão etário mais avançado caminha lentamente, é incapaz e um atraso. Atraso no passeio, no trânsito, nos serviços públicos, atrasa tudo e todos.
Ser cuidador a nível profissional é uma profissão desvalorizada, a nível social e remuneratório. Uma das profissões mais exigentes e desgastantes da sociedade é mal remunerada e geralmente desqualificada.
Tudo isto tem de mudar. Tem de se promover o cuidar um dos outros, desde a fase da infância. Tem de se valorizar e qualificar os profissionais que cuidam das pessoas dos escalões etários mais avançados. Tem de se dar visibilidade e penalizar as situações de abuso e negligência.
Cuidar de um ser humano exige aptidão e transcendência no conhecer e no colocar-se no lugar do outro. Exige sensibilidade, paciência, tolerância, resiliência. Exige amor e humanidade.
A aprovação recente da lei do Estatuto do Cuidador Informal é a prova de que existe esperança. Esperança para quem cuida do futuro.
Veja também o artigo sobre o estatuto do cuidador informal.
E quando somos cuidadores de estranhos? Não perca o artigo de Ana João Sepulveda