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Se tem filhos que acabaram a faculdade, trabalham, têm rendimento próprio e ainda vivem consigo? Em caso positivo, é provável que tenha um ou uma representante da geração canguru em casa!
Alguns dirão que a liberdade não tem preço, mas para quem não precisa arcar com as despesas da casa, da alimentação & cia, a liberdade tem um preço sim, e ela não é barata!
A acomodação a um padrão de vida que dificilmente conseguiriam sustentar pode ser uma das explicações para que 60% dos jovens brasileiros entre 25 e 34 anos optem por permanecer na casa dos pais, conforme dados do IBGE. Portugal não será seguramente diferente. A dependência emocional de ambas as partes pode ser outro fator. Podemos até ficar chocados ao saber que em alguns países os filhos partem para a universidade e não voltam mais.
Será que isso está relacionado à nossa cultura?
Talvez não. Afinal, nos Estados Unidos, o fenômeno também se repete: a terceira maior companhia de seguros norte-americana apontou numa recente pesquisa que, em julho/2020, 52% dos jovens adultos moravam com um ou ambos os pais. Nesse caso, talvez a pandemia seja a explicação contemporânea: pode ter adiado ou impedido a saída de muitos jovens de casa. Então, nós, pais de meia-idade, tivemos que arcar com mais este custo financeiro, físico e emocional.
A pandemia não foi gentil connosco, pais 50+.
Além de termos sofrido com o aumento do etarismo na sociedade e no mercado de trabalho, temos que nos “virar nos trinta”, ou melhor, nos cinquenta, para cuidar de nossos pais, confinados e estressados, muitas vezes doentes. E dos nossos filhos, ansiosos, também estressados, seja pelo desemprego ou pelo iminente burnout.
Cinquentões e sessentões da Geração Sanduíche, prensada entre pais e filhos, fizemos e continuamos a fazer malabarismos para dar conta do recado. Pense bem, quem foram os responsáveis pela manutenção da saúde mental dentro de casa?
A mesma pesquisa citada acima, mostra que as mulheres foram as mais impactadas durante a pandemia. Somos as cuidadoras oficiais de pais, filhos e, quando temos um parceiro, dele também. Aliás, se precisar, cuidamos também dos netos:
Geração Duplo Sanduíche ou Sanduíche Duplo, como preferir!
Os primeiros estudos acadêmicos sobre o tema datam da década de 1980, como o de Dorothy Miller (The ‘sandwich’ generation: adult children of the aging, 1981), que define a geração sanduíche como sendo a de adultos em meia idade comprimidos por necessidades simultâneas de um ou ambos os pais sobreviventes e de filhos e/ou netos dependentes.
Numa boa parte dessas pesquisas, a mulher aparece como a maior responsável por esses cuidados e, como muitas análises que tentam agregar as pessoas dentro de um conceito geracional, não há consenso entre os autores sobre as idades que o delimitam, variando de 40 a 69 anos de idade.
Nos Estados Unidos, estudos mostram que 1/3 da geração Y vem sendo empurrada a assumir responsabilidades da Geração Sanduíche em função dos problemas econômicos gerados pela pandemia. Afinal, se não há emprego para quem tem mais de 50 anos, quem irá assumir as responsabilidades financeiras da família? Lá discutem também as consequências que trarão o novo design familiar, no qual os idosos terão um ou nenhum filho para apoiar os seus cuidados.
E aqui? Como sempre, esperamos a bomba explodir primeiro para depois fazermos algo a respeito. Tem sido assim com a equação “aumento da expectativa de vida + queda das taxas de fecundidade” e com o etarismo, que corrói nosso tecido social e exclui as pessoas com mais de 50 anos do mercado de trabalho, sem que se faça nada. Não somos bons de planeamento, e estamos sempre a correr atrás do prejuízo.
A falta de subsídios por parte do Governo para incentivar a inserção de profissionais maduros nas organizações, como também de formatos mais flexíveis de trabalho por parte das empresas, dificultam não só a nossa vida, mas também a possibilidade de fazermos um pé-de-meia para o nosso próprio envelhecimento.
Aliás, a falta de trabalho per si já faz isso. E não podemos deixar de planear as questões financeiras sobre nosso futuro e nossa longevidade: como podemos viver de maneira digna até os 80, 100 anos, sem rendimento e sem apoio governamental?
Uma ideia para as empresas preocupadas com o seu papel social seria estender os benefícios ligados à maternidade às cuidadoras, com creches e licença parental para que filhas possam cuidar de seus pais idosos com problemas de saúde, embora isso possa, na prática, restringir mais ainda as possibilidades de trabalho para as mulheres acima de 50 anos.
Outra solução seria algum tipo de política não convencional de incentivos financeiros para avós que gozam de boa situação de saúde ajudar os pais com filhos pequenos, embora isso também possa contribuir para a redução de ofertas de trabalho para as mulheres já que esse encargo seria provavelmente direcionado às organizações.
O trabalho remoto e flexível pode ser bastante interessante para “cuidadores domésticos”, aqueles que têm o papel de cuidar dos pais idosos, filhos doentes e/ou netos, permitindo conciliar questões pessoais e profissionais.
Esse é um dos motivos pelos quais muitos profissionais acima de 50 anos preferem ter vários trabalhos diferentes a um emprego fixo. As empresas poderiam rever as suas políticas e ajustar alguns cargos a esse novo formato, direcionando-os às pessoas mais velhas.
É claro que, boa parte das soluções poderia vir de uma intervenção governamental, como subsídios de impostos na contratação de pessoas mais velhas e algum tipo de apoio com relação à assistência médica, que hoje é considerada um dos impeditivos à contratação de profissionais mais velhos por parte das empresas, em função do alto custo dos planos. Ocorre que, estamos tão acostumados com a ineficácia do sistema, que terminamos nos acomodando ao status quo.
Enquanto isso, provocar as empresas para que impulsionem iniciativas na direção da longevidade parece ser o caminho mais viável.
No Japão, uma grande empresa surpreendeu o mercado ao trazer, em seu programa de preparação para a reforma, um modelo de empreendedorismo aos funcionários com mais de 40 anos que quisessem arriscar este caminho.
Sim, a multinacional de publicidade Dentsu Inc., sediada em Tóquio, irá fornecer subsídios financeiros para os novos empreendedores durante 10 anos, para que eles consigam estruturar e manter um novo negócio! Se alguém não tivesse feito, diriam que é impossível, não é mesmo?
Ideias disruptivas parecem sempre um pouco fora de propósito num primeiro momento. Percebam, entre outras coisas positivas, o retorno de imagem e publicidade em nível global que essa ideia pioneira trouxe para a Dentsu.
No Brasil, estamos a dar os primeiros passos. Algumas empresas como Credicard, Gol, Johnson & Johnson, Kimberly Clark, Livelo, Sky, Takeda e Tokio Marine, entre outras, estão implementando programas estruturados para seleção intencional de profissionais acima de 50 anos.
Outras arriscaram algumas ideias diferentes, como:
Ainda assim, as iniciativas são tímidas frente ao contingente de profissionais acima de 50 anos hoje desempregados no mercado de trabalho brasileiro.
Essas ações costumam ser mais frequentes em empresas grandes ou multinacionais, sediadas nas grandes capitais. São elas que começam a realizar programas de diversidade etária, buscando trazer profissionais 50+ e integrar as diferentes gerações nas suas equipas de trabalho por meio de sensibilizações, mentorias, mentorias reversas e formação em áreas de tecnologia.
Isso tem que mudar! Temos que espalhar esse movimento contra o etarismo pelos nossos países, seja no Brasil, seja em Portugal. Pelo nosso bem e pelo futuro das novas gerações.
Sobre a autora: Fran Winandy é brasileira, consultora e palestrante na área de Diversidade Etária e Etarismo, autora do livro: Etarismo, um novo nome para um velho preconceito, da Editora Gulliver.
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