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O impacto da longevidade na economia

18/08/2021 | Silvia Triboni

Silvia Triboni entrevista a especialista na Economia da Longevidade Ana Sepúlveda. Silvia Triboni entrevista a especialista na Economia da Longevidade Ana Sepúlveda.

Silvia:  Gostava que nos começasse por contar um pouco sobre a sua trajetória e sua aproximação aos temas do envelhecimento e da longevidade.

Ana Sepulveda – A minha trajetória na área da longevidade, começa em 2007, quando trabalhava numa multinacional ligada ao retalho, onde fazíamos estudos sobre os jovens até que alguns clientes nos perguntaram por que é não fazíamos estudos sobre as pessoas mais velhas. Na verdade, eu não fazia a mínima ideia do porquê.

Foi então que fizemos um primeiro estudo de mercado segmentado para pessoas com mais de 55 anos, em termos de motivações face ao envelhecimento. Na altura, acabei por conhecer o Joseph Coughlin, do MIT AgeLab e apaixonei-me por esta área. Mais tarde vem uma crise e resolvi aprofundar-me na área da economia da longevidade, e em 2011, abri a empresa de consultoria 40+ Lab.

Em 2015 tive a coincidência de ir a Bruxelas para uma reunião de criação do Covenant on Demographic Change e a 40+ Lab torna-se uma das fundadoras. Por ser fundadora do Covenant, agrega um conjunto de políticas e iniciativas ligadas à silver economy, que me leva à criação da Associação Age Friendy Portugal, inspirada na Age Friendly Ireland.

A nossa lógica é termos um núcleo de empresas que queiram debater o envelhecimento pela vertente econômica do envelhecimento e da longevidade, para podemos também influenciar políticas públicas.

Este é o percurso da 40+ Lab que agora está mais voltada para a área do investimento. Portanto, nós neste momento estamos a estruturar essa área para a criação em Portugal de um Fundo de Investimento para financiamento em Inovação e aceleração de projetos ligados à economia da longevidade, para além da área de consultoria que nós fazemos.

Para saber mais deste tema, veja também a nossa entrevista sobre a economia da longevidade.

Idadismo em Portugal e boas práticas

Silvia - Ana, ultimamente, temos lido muito sobre o envelhecimento da população de vários países, descobertas da ciência que nos auxiliarão a termos uma boa vida até 100 anos ou mais, sobre o potencial econômico e financeiro existente entre os adultos mais velhos.

Entretanto, ao mesmo tempo, tem havido um debate sobre o agravamento do idadismo. Na sua trajetória, como tem visto a questão do idadismo nos países em que atua e estuda? Poderia nos dizer se há algum lugar onde o idadismo é mínimo?

Ana Sepulveda - Tu tens alguns países com uma estratégia para o desenvolvimento da economia da longevidade. Entretanto, este é um problema que afeta o mundo inteiro. O idadismo é um dos grandes freios do desenvolvimento de uma nação.

Porque enquanto nós pensarmos que não temos direito a um conjunto de coisas, porque já não temos idade, nós vamos deixar de viver, teremos uma vida menos feliz. Nós sabemos que as sociedades que são mais longevas são aquelas onde as pessoas têm um propósito. E se eu achar que o meu propósito tem um fim, uma data de validade, isso faz pouco sentido.

As organizações cada vez mais deverão assentar-se numa componente de promoção da longevidade.

Não faz sentido nós estarmos a achar que os mais novos são melhores que os mais velhos. Do ponto de vista de negócio, é preciso ter aquilo que caracteriza os diferentes tipos de pessoas que existem.

Nós aqui temos a missão de trabalhar o emprego a partir dos 40 anos. Uma organização que não olha para isto, está a perder mercado.

Porque tipicamente o envelhecimento começa a ser tratado na vertente social e depois é que é tratado na vertente econômica. Tradicionalmente há uma maior sensibilidade das pessoas para trabalharem a área social pela questão da fragilidade das pessoas mais velhas. Depois, vem a questão política.

Anos atrás o governo da Austrália começou a perceber que tinha muita gente com mais de 40 anos. O que o governo australiano na altura fez foi matemática pura. Percebeu que havia uma mentalidade predominante de gestão de pessoas que dizia que as pessoas a partir dos 40 anos estavam completamente desatualizadas do mercado.

Percebeu que ia ter um conjunto grande de pessoas em processo de envelhecimento, fez as contas e percebeu que se isso continuasse, o impacto no produto interno bruto seria muito grande, e com grandes prejuízos na área da saúde pública.

O governo australiano fez um pacote de políticas públicas para incentivar as pessoas a permanecerem no mercado de trabalho e a incentivar as organizações a contratarem e manterem as pessoas.

Na altura foi bastante inovador e ambicioso. Criou inclusivamente o manual que explicava e guiava as organizações nessa integração das pessoas mais velhas.

Claramente que o poder público tem um papel muito grande, e no caso Portugal eu preocupo-me bastante com isso.

Preocupo-me quando ouço políticos das mais diferentes esferas somente focados na questão do envelhecimento, numa ótica muito de assistencialismo, completamente à escura do que está a passar-se no mundo da economia, enquanto temos países como o Reino Unido, ou como a Croácia, em que neste momento, a área da longevidade é um dos pilares desenvolvimento econômico do país.

Qualquer tipo de organização que queira olhar para a realidade, com olhos de ver, tem que considerar a questão da longevidade.

Esta é a realidade. É para aí que o mercado vai caminhar. Nós em Portugal temos mais de cinquenta por cento da população portuguesa com mais de 40 anos, portanto, não olhar para estas questões é uma insensatez.

Não perca o nosso artigo sobre idadismo

Vida ativa, saudável e conectada ao mundo ao seu redor tem todo o valor

SilviaNa sua opinião, o que pode a pessoa com 60, 70, 80+, fazer para impor respeito? Adotar uma vida ativamente positiva, amplamente saudável e conectada ao mundo ao seu redor poderia ser uma ferramenta útil neste processo?

Ana Sepulveda -  Adotar uma vida ativamente positiva, amplamente saudável e conectada ao mundo ao seu redor tem todo o valor.

Contavam uma história quando nós éramos crianças, que depois da reforma iríamos viver mais 10 ou 12 anos de vida. Entretanto, a realidade é outra. Hoje em dia temos a expectativa de vida em Portugal, por exemplo, da mulher entre os 85, 86 anos.

E se és uma pessoa que se cuida, provavelmente vai chegar aos 90 anos ou mais.

Isso quer dizer que nós vamos ter de definir uma equação que tenha em conta uma longevidade maior do que aquela que nós esperávamos.

Temos duas hipóteses:

  • viver de forma ativa
  • ignoramos esta realidade e ir vivendo o dia a dia.

Nós temos um poder de intervenção na sociedade muito grande.

As atuais gerações serão as primeiras impactadas por estas questões e que no fundo devem liderar este movimento.

Este movimento todo que nós estamos a fazer, em nível global de conversão e de transformação do mundo num mundo age friendly, é para que não se perca no futuro. Senão, as novas gerações vão ter que reconstruir o que fizemos quase do zero.

Portanto, a uma é uma responsabilidade mostrar que existe a questão da cidadania senior. 

Há um conjunto coisas que nós, do ponto de vista da cidadania, temos que saber e exigir. É a lógica do Alexandre Kalache que diz que temos que sair às ruas se necessário. Temos que falar. Temos que nos mobilizar.

É de um lado olhar para sua própria vida e tomar consciência que vai viver mais tempo.

E por outro lado, saber que tem poder interventivo na sociedade.

Long life learning - Para viver bem essa vida longa o ideal é aprender

Silvia – Ana, na sua opinião, o que é necessário estimular nos adultos de todas as idades para que entendam o valor do aprendizagem constante para um futuro longevo e ativo?

Ana Sepulveda - Primeiro, é preciso que as pessoas percebam o que efetivamente significa viver mais. O ser humano nunca experimentou uma longevidade tão grande. E mais, nós nunca tivemos este cenário demográfico, que coloca ainda mais peso nas gerações mais velhas. E não me refiro aos 60 ou 65+.


Nós, adultos, fomos socializados de uma forma e a meio da nossa vida, percebemos que afinal vamos viver mais do que o esperado e isso acarreta desafios. Assim, partilho muito da visão de uma pessoa que ambas admiramos, que é o Chip Conley que fala em learning for a long life.

Para mim é aqui que reside a questão.

Na verdade nem se trata tanto de aprender ao longo da vida mas, primeiro, aprender que temos uma vida longa. Depois sim, perceber que para viver bem essa vida longa o ideal é aprender. Mas aprender nas diversas áreas. A noção de aprender não é tanto aquela da escola ou da universidade. Para mim é mais conhecer, adquirir conhecimento, experiência, isso é o determinante.


Torna-se essencial mudar mentalidades e perceber que o mundo é volátil, rápido e precisamos de ser flexíveis em muitas coisas e aprender ao longo da vida é isso. É uma forma de ser flexível.

Para saber mais sobre a importancia da aprendizagem ao longo da vida, ouça aqui o nosso podcast 

A Intergeracionalidade nas empresas e na força de trabalho

Silvia – Recentemente escrevi um artigo que tratava de empresas escandinavas que iniciaram processos de inclusão etária na sua força de trabalho desde os anos 80. Da sua experiência e conhecimento do mundo corporativo europeu, como tem sido a promoção de equipes intergeracionais, e os ganhos em lucratividade advindos desta mentalidade?


Ana Sepulveda - Este tema é novo e ainda muito permeado de tabus. Ou seja, as organizações mais humanas e visionárias, mas também mais inteligentes percebem que é um “must have”. Temos de ter equipas intergeracionais. Porque cada geração aporta uma coisa diferente e complementar, porque faz parte do ser humano. Somos assim, diferentes biologicamente falando e isto tem impacto na forma como agimos e nos comportamos.


Temos grandes multinacionais na área da tecnologia, por exemplo, que insistem em achar que só somos ágeis, inovadores e capazes de assimilar coisas novas até uma certa idade, o que é um absurdo. A verdade é que as organizações que se libertam dos mais velhos, passado algum tempo, percebem o erro que fizeram.


Mas deixa-me ser um pouco polêmica. Isso para mim é um tema com o tempo contado. Porque daqui há uns anos as organizações vão mesmo precisar dos mais velhos porque não teremos novos suficientes.

Silvia - Há corporações em Portugal dispostas a desenvolverem as áreas de recursos humanos para a adoção da diversidade e inclusão etária?
Ana Sepulveda - Sem mencionar nomes, sim.

Eu não considero que o tema da idade deva ser uma questão de diversidade. Não é uma questão de diversidade e sim de necessidade. Esse é o ponto para mim, e por isso já há em Portugal empresas a valorizarem os mais velhos e a trazê-los para o negócio.
 

O retalho é uma área onde isso acontece e vai acontecer ainda mais. O mundo dos contact centres está a viver isso, aos poucos. Temos algumas empresas mais conservadoras que outras. Mas os dados e estudos provam o aumento de lucros.

Se gosta de podcast, veja também aqui o podcast da Economia da longevidade com Ana Sepulveda

 

Ana João Sepulveda, é Socióloga pela Faculdade de Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, Mestrado em Estudos Americanos na Universidade Aberta e Master em CoolHunting e Gestão da Inovação, pela Escola Superior de Comunicação Social/Ayr Consulting.

Especialista no impacto do Envelhecimento na sociedade, com particular foco na economia, gestão e desenvolvimento de recursos humanos. Integra o Covenant of Demographic Change – Towards na Age-Friendly Europe. É co-criadora do INNOVageing e parceria do Age Friendly Business (Canadá), Presidente da Associação Empresarial Age Friendly Portugal e Embaixadora da rede Aging 2.0 em Lisboa.

Conferencista com vários artigos publicados sobre temas como Envelhecimento ativo e empreendedorismo sênior, tendências e coolhunting, Marketing e consumidor sênior, Consumidor e estudos de mercado, CRM, Usabilidade, Marketing político na Web e Democracia digital. Autora do livro Marketing Político na Internet e co-autora do livro Marketing para 45+: um mercado em expansão.